Certa
vez assisti a uma palestra de um filósofo que estava perplexo diante
dos aspectos não verbais da comunicação humana. Ele preferia a
palavra escrita e falada, mas obviamente não conseguia contornar
todas as caras e todos os gestos que fazemos. Por que precisamos de
todos esses acompanhamentos, ele se perguntava, e, especialmente, por
que são tão exagerados? Quando rimos de uma piada, por exemplo,
perdemos o controle parcial sobre nosso corpo e produzimos uma enorme
quantidade de hahahas que podem ser ouvidos longe. Por que não
podemos dizer simplesmente “Isso foi engraçado” e ficar por aí?
Imaginei
a cena de um humorista num pequeno teatro contando a melhor piada de
todos os tempos e as pessoas, em vez de caindo das poltronas às
gargalhadas, todas quietas murmurando “Isso foi engraçado”. É
óbvio que o humorista, sabendo que o nobre senso de humor da
humanidade está irrevogavelmente casado com algo muito mais
animalesco, se sentiria profundamente ofendido. O riso mostra como o
corpo ocupa um lugar central em nossa existência, inclusive na vida
mental. O riso une corpo e mente, fundindo-os num todo. Podemos
sentir isso como perda de controle, porque gostamos que a mente
esteja no comando. Como disse o crítico teatral John Lahr: “Observar
o riso provocado tomar conta de uma plateia é presenciar um grande e
violento mistério. Rostos em convulsão, lágrimas que correm,
corpos que colapsam, não em agonia, mas em êxtase”.
Quando
rimos, enlouquecemos. Ficamos moles, nos apoiamos um nos outros,
ficamos vermelhos e nossos olhos se enchem de lágrimas, a ponto de
dissolver a linha divisória com o choro. Fazemos literalmente xixi
nas calças! Depois de uma noite de risos, ficamos totalmente
exaustos. Isto se deve, em parte, ao fato de que o riso intenso é
marcado por mais expirações (que produzem som) do que por inalações
(que absorvem oxigênio), então acabamos ofegando por falta de ar. O
riso é uma das grandes alegrias de se ser humano, com benefícios
bem conhecidos para a saúde, como redução do estresse, estimulação
do coração e dos pulmões e liberação de endorfinas. Não
obstante, devemos torcer para que os extraterrestres nunca cheguem a
observar um grupo de seres humanos rindo descontrolados, porque eles
provavelmente abandonariam a ideia de ter encontrado vida
inteligente.
O
humor nem sempre é o gatilho para o riso. Quando os psicólogos
tomam notas discretas sobre o comportamento humano em shoppings e nas
calçadas de nosso habitat natural, eles descobrem que a maioria dos
risos ocorre depois de declarações mundanas que são tudo menos
divertidas. Tente você mesmo. Observe quando as pessoas riem em
bate-papos espontâneos, e verá que muitas vezes não é por nada —
nenhuma piada, nenhum trocadilho, nenhuma observação bizarra. É
apenas um riso inserido no fluxo da conversa, geralmente ecoado pelo
interlocutor. O humor não é fundamental para o riso: as relações
sociais, sim. Nossas demonstrações tremendamente ruidosas que mais
parecem latidos anunciam bem-estar e gosto compartilhados. O riso de
um grupo de pessoas transmite solidariedade e intimidade, não muito
diferente do uivo de uma matilha de lobos.
O
volume alto da risada de nossa espécie sempre me surpreende: os
símios riem com muito mais suavidade, e os macacos mal podem ser
ouvidos. Meu palpite é que o volume é inversamente proporcional ao
risco de predação. Se o riso dos filhotes de outros primatas fosse
tão ensurdecedor quanto o riso de nossos filhos no pátio das
escolas, os predadores não teriam dificuldade em localizá-los e
atacar no momento certo. O ser humano pode se dar ao luxo de ser
barulhento, embora obviamente também dê muitas risadinhas
reprimidas e risinhos entredentes.
Em
sua festa de oitenta anos, Jan fez uma demonstração esplêndida da
sequência da risada humana: ele soltou uma série de gargalhadas,
depois inspirou profunda, prolongadamente, para aumentar o efeito. A
sala explodiu em gargalhadas, não só porque essa sequência é uma
assinatura de nossa espécie, mas também porque é incrivelmente
contagiante. Nos experimentos, os seres humanos imitam
automaticamente rostos risonhos exibidos na tela do computador, e o
propósito de se acrescentar risadas gravadas às séries cômicas da
televisão é produzir o contágio. Análises detalhadas de vídeos
acerca do comportamento de grandes primatas encontram mimetismo
semelhante. Quando um orangotango jovem se aproxima de outro com cara
de riso, o outro adota de imediato a mesma expressão, e é por isso
que normalmente ambos os parceiros de brincadeiras riem, e não
apenas um deles. Até as aves exibem esse comportamento contagiante.
Os papagaios da Nova Zelândia, conhecidos como keas, tornam-se
instantaneamente brincalhões quando ouvem as vocalizações
melodiosas que acompanham as brincadeiras de sua espécie emitidas
por alguém oculto. Os cantos, que se assemelham um pouco ao riso,
afetam seu estado de ânimo. Os keas imediatamente convidam outras
aves para brincar, pegam brinquedos para manipular ou fazem
acrobacias aéreas. Nada é tão contagiante quanto a jocosidade e o
riso.
A
repetitividade do riso dos primatas deriva da respiração ritmada.
Nos símios, o riso começa com uma respiração ofegante audível,
que fica cada vez mais vocal quanto mais intenso se torna o encontro.
Por si só, separada da brincadeira, a respiração ofegante expressa
alívio, alegria e um desejo de contato, como quando uma fêmea de
chimpanzé caminha até a sua melhor amiga e emite arquejos audíveis
antes de beijá-la. Do mesmo modo, Mama ofegava rapidamente para mim
antes de agarrar meu braço, depois balbuciava e estalava os lábios
quando me catava. Quando se trabalha com símios, aprende-se a ser
cuidadoso e observar os seus sinais. Todos esses sons suaves
indicavam boas intenções, tanto que, sem eles, eu talvez relutasse
em deixar Mama pegar meu braço.
Nadia
Ladygina-Kohts, a cientista russa que há um século comparou o
desenvolvimento emocional do jovem chimpanzé Joni com o de seu
próprio filho pequeno, deu exemplos de momentos alegres que
provocaram o arquejo. Um dia, Joni viu Nadia sair de casa e começou
a choramingar, mas assim que ela mudou de ideia e ficou ele correu
até ela com arquejos rápidos. Quando Joni esperava uma bronca séria
por algum malfeito mas foi tratado cordialmente, ele ofegou em
agradecimento. Essa respiração ofegante, que comunica alegria e
sentimentos positivos, tornou-se a base do riso, que comunica a mesma
coisa, só que muito mais alto.
A
brincadeira dos animais pode ser bruta, pois eles lutam, mordiscam,
pulam uns sobre os outros e arrastam uns aos outros. Sem um sinal
inequívoco para esclarecer suas intenções, o comportamento de
brincar pode se confundir com uma briga. Sinais de brincadeira dizem
aos outros que eles não têm com o que se preocupar, que nada
daquilo é sério. Por exemplo, os cães podem “fazer reverência”
(agachar-se nos membros dianteiros e manter o traseiro no alto) para
ajudar a separar brincadeira de conflito. Mas, assim que um cão se
comporta mal e acidentalmente morde o outro, a brincadeira cessa de
repente. Uma nova reverência será exigida como “pedido de
desculpas”, a fim de que a vítima ignore a ofensa e retome o jogo.
O
riso serve ao mesmo propósito: contextualiza o comportamento do
outro. Uma chimpanzé empurra a outra com firmeza para o chão e põe
os dentes no pescoço dela, deixando-a sem escapatória, mas, como
ambas emitem um fluxo constante de risos roucos, elas ficam
totalmente relaxadas. Sabem que aquilo é só diversão. Uma vez que
os sinais de brincadeira ajudam a interpretar o comportamento do
outro, eles são conhecidos como metacomunicação: comunicam algo
sobre a comunicação. Da mesma forma, se me aproximo de um colega e
dou um tapa no ombro dele com uma risada, ele perceberá o gesto de
forma bem diferente do que faria se eu desse o tapa sem um som ou sem
qualquer expressão no meu rosto. Meu riso transmite um metassinal a
respeito da mão que o atingiu. Rir reformula o que dizemos ou
fazemos, e tira o peso de comentários potencialmente ofensivos, e é
por isso que o usamos o tempo todo, mesmo quando nada particularmente
divertido está acontecendo.
O
riso emite sinais não somente para os companheiros de brincadeira,
mas também para o mundo exterior. Quando os outros veem ou ouvem o
riso, sabem que está tudo bem. Os chimpanzés são espertos o
suficiente para utilizar as risadas dessa maneira. Certa vez
analisamos centenas de jogos de luta entre jovens chimpanzés para
ver em quais momentos eles riam. Estávamos particularmente
interessados em jovens com grande diferença de idade, já que os
jogos deles costumavam ser brutos demais para os mais novos. Assim
que isso acontecia, a mãe do mais novo entrava em cena, às vezes
batendo na cabeça do companheiro de brincadeira. A culpa era sempre
do mais velho! Descobrimos que, quando os jovens brincam com bebês,
eles riem muito mais quando a mãe do bebê os observa do que quando
estão sozinhos. Sob os olhos de uma mãe protetora, o riso projeta
um clima alegre, como se dissesse: “Veja como estamos nos
divertindo!”.
Se
um grupo de pessoas ri e você não faz parte dele, você se sentirá
excluído. O riso muitas vezes enfatiza o grupo de pertencimento à
custa dos outros grupos. É uma forma tão poderosa de deboche e
provocação que alguns propuseram que a hostilidade está em sua
raiz. Essas teorias falam em “humor excludente” dirigido a
pessoas de fora do grupo ou de raça diferente, e retratam o riso
como um ato maligno. O filósofo inglês quinhentista Thomas Hobbes,
por exemplo, considerava o riso uma expressão de superioridade, como
se todo o propósito do homem ao brincar fosse zombar dos outros. Que
vida miserável esse homem deve ter tido!
O
riso é muito mais típico das relações afetuosas entre amigos,
namorados, cônjuges, pais e filhos etc. Onde estariam os casamentos
sem a cola essencial do humor? Eu sou de uma família grande e lembro
com carinho das risadas em torno da mesa de jantar, e elas podiam
ficar tão fortes que eu me sentia como se estivesse morrendo. Eu
tinha de sair da sala para recuperar o fôlego e a compostura. O
primeiro riso em nossas vidas ocorre sempre no período da criação,
como acontece nos outros primatas. A mãe gorila faz cócegas na
barriga de seu bebê com o dedo médio já alguns dias após o
nascimento, produzindo a primeira risada. Em nossa própria espécie,
mães e bebês têm muitas interações, nas quais prestam atenção
a cada mudança na expressão e na voz um do outro, com muitos
sorrisos e risos. Esse é o contexto original, totalmente desprovido
de malícia.
A
estimulação física continua fazendo parte disso, e deve ter uma
longa história evolutiva, porque as cócegas também estão ligadas
a sons semelhantes a risadas entre os ratos. O falecido
neurocientista estoniano-americano Jaak Panksepp fez mais do que
qualquer outra pessoa para tornar as emoções animais um tema
aceitável de discussão. Panksepp foi inicialmente ridicularizado
pela ideia de ratos risonhos. Esses roedores continuam desprezados e
subestimados, mas eu, que já os tive como animais de estimação,
não tenho dúvidas de que são animais complexos que estabelecem
laços e brincam. Panksepp notou que os ratos gostam que dedos
humanos lhes façam cócegas, tanto que voltam para pedir mais.
Quando retiramos a mão e a levamos a outro lugar, eles a seguem,
buscando estímulo enquanto emitem rajadas de pios de 50 kHz que
estão acima do alcance da audição humana.
Um
apreciador de ratos anônimo tentou isso em casa:
Decidi
fazer uma pequena experiência com Pinky, o jovem rato de estimação
do meu filho. Dentro de uma semana, Pinky ficou completamente
condicionado a brincar comigo e, de vez em quando, até emite um
guincho agudo que posso ouvir. Assim que entro no quarto, ele começa
a roer as barras de sua gaiola e pula como um canguru até eu fazer
cócegas nele. Ele ataca minha mão, mordisca, lambe, rola de costas
para expor a barriga a fim de que eu faça cócegas (é o seu lugar
preferido), e dá chutes de coelho quando luto com ele.
Panksepp
concluiu que, para os ratos, receber cócegas é uma experiência
gratificante (daí eles buscarem a mão) que requer o estado de ânimo
certo. Se os animais estiverem ansiosos ou assustados, por cheiro de
gato ou luzes brilhantes, por exemplo, nem cócegas fartas provocarão
riso. O entusiasmo deles depende também de experiência e
familiaridade anteriores, porque os ratos se aproximam com mais
avidez de uma mão que lhes fez cócegas, enquanto emitem um pio
agudo, do que de uma mão que só os acariciou. Os ratos fazem
pequenos movimentos divertidos, conhecidos como “pulinhos de
alegria”, que são típicos de todos os mamíferos que brincam,
como cabras, cães, gatos, cavalos, primatas e assim por diante. As
vacas brincalhonas de Darwin logo vêm à mente. Embora os animais
possuam todos os tipos de sinais de jogo, a única constante é um
salto aleatório abrupto. Eles dançam em sua direção com as costas
arqueadas (gatos) ou giram em torno de seu eixo e pulam no sofá
proibido (cachorros) para mostrar como estão prontos para uma
perseguição. O pulinho de alegria é tão reconhecível que é
facilmente entendido entre as espécies. Em cativeiro, um filhote de
rinoceronte pode brincar com um cachorro, ou um cão com uma lontra,
ou um potro com uma cabra, e na selva observaram-se chimpanzés
jovens lutando com babuínos, e corvos e lobos se provocando. O jogo
tem sua própria linguagem universal.
Podemos
usar o riso para desarmar uma situação constrangedora ou tensa.
Isso é menos comum em outras espécies, mas não está excluído.
Entre os chimpanzés, vi machos esfriarem um conflito em potencial.
Três machos adultos, com todos os pelos eriçados, haviam acabado de
realizar impressionantes exibições de ataque. É uma situação
muito tensa, potencialmente perigosa, na qual os rivais testam os
nervos um do outro. Eles balançam de galho em galho, desalojam
pedras pesadas, arremessam coisas e batem em superfícies
ressonantes. Mas, quando esses três machos se afastaram da cena, de
repente um deles literalmente puxou a perna de outro. Este macho
resistiu e tentou libertar o pé, sem parar de rir. Então o terceiro
entrou na jogada, e em pouco tempo três grandes machos galopavam,
batiam nas laterais do corpo um no outro e soltavam gargalhadas
roucas, enquanto os pelos voltavam ao lugar. A tensão fora quebrada.
Aristóteles
achava que o riso era o que diferenciava os seres humanos dos
animais, e muitos psicólogos ainda duvidam que algum animal ria de
alegria ou porque alguma coisa é engraçada. Sabe-se muito bem, no
entanto, que os símios adoram comédias pastelão, provavelmente por
causa de todos os contratempos físicos. Quando uma pessoa de quem
gostam caminha na direção deles e escorrega ou cai, sua primeira
reação é de tensão preocupada, mas se a pessoa fica bem eles riem
com aparente alívio, como fazemos em circunstâncias semelhantes. Já
descrevi o riso de Mama quando descobriu que havia sido enganada por
um ser humano com máscara de pantera. Reações similares podem ser
vistas em bonobos. Há muito tempo, o recinto dos bonobos no
Zoológico de San Diego tinha um fosso profundo e seco para
separá-los do público. No lado dos bonobos, uma corrente de
plástico pendia no fosso para que os macacos descessem e voltassem
sempre que quisessem. Mas, quando o macho alfa Vernon descia, o
adolescente macho Kalind às vezes puxava rapidamente a corrente para
cima. Vernon ficava preso, enquanto Kalind olhava para ele com uma
grande cara de riso e batia na lateral do fosso. Ele estava zombando
do chefe. A única outra bonobo adulta presente normalmente corria
para a cena a fim de resgatar o companheiro largando a corrente de
volta, e ficava de guarda até que ele saísse.
Outra
risada divertida foi filmada por pesquisadores de campo japoneses na
África Ocidental. Um chimpanzé selvagem de nove anos de idade
estava esmagando coquinhos com pedras, usando uma técnica comum de
martelo e bigorna. Um por um, ele punha os coquinhos na superfície
plana de uma pedra grande, enquanto segurava uma pedra pequena na
outra mão, depois batia com ela até que os coquinhos quebrassem. Na
floresta não é fácil encontrar a combinação certa de pedras para
essa tarefa. A mãe do macho olhou para suas ferramentas perfeitas
antes de se aproximar e começar a catá-lo. Isso costuma ser um
convite para retribuir a catação, então, quando ela terminou,
ficou ali esperando que ele girasse e a catasse. Ao fazer isso, ele
deixou de cuidar de suas pedras, e em poucos segundos a mãe se
apossou delas. Parecia intencional, como se a aproximação e o breve
catar tivessem sido uma forma de distraí-lo. No exato momento em que
ela pegou as ferramentas dele, foi possível ouvi-la e vê-la rir
suavemente consigo mesma, feliz porque a pequena maquinação
funcionara.
Essa
é uma evidência anedótica, claro, mas esses incidentes sugerem que
o riso dos símios pode ser mais do que apenas um sinal de
brincadeira. Às vezes, parece se aproximar do significado mais amplo
de regozijo, vínculo e ruptura de tensão que conhecemos de nossa
própria espécie.
Frans de Waal, in O último abraço da matriarca
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