Anunciação, de Angelo Savelli
Tenho em casa uma pintura do italiano
Savelli – depois compreendi muito bem quando soube que ele fora
convidado para fazer vitrais no Vaticano.
Por mais que olhe o quadro não me canso
dele. Pelo contrário, ele me renova.
Nele, Maria está sentada perto de uma
janela e vê-se pelo volume de seu ventre que está grávida. O
arcanjo, de pé ao seu lado, olha-a. E ela, como se mal suportasse o
que lhe fora anunciado como destino seu e destino para a humanidade
futura através dela, Maria aperta a garganta com a mão, em surpresa
e angústia.
O anjo, que veio pela janela, é quase
humano: só suas longas asas é que lembram que ele pode se
transladar sem ser pelos pés. As asas são muito humanas: carnudas,
e seu rosto é o rosto de um homem.
É a mais bela e cruciante verdade do
mundo.
Cada ser humano recebe a anunciação: e,
grávido de alma, leva a mão à garganta em susto e angústia. Como
se houvesse para cada um, em algum momento da vida, a anunciação de
que há uma missão a cumprir.
A missão não é leve: cada homem é
responsável pelo mundo inteiro.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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