terça-feira, 28 de setembro de 2021

Éluard, O Magnífico

Grafite de Paul Eluard (1936), de Pablo Picasso

Meu camarada Paul Éluard morreu faz pouco tempo. Era tão íntegro, tão denso, que me custou dor e trabalho acostumar com seu desaparecimento. Era um normando azul e rosa, de aspecto grave e delicado. A guerra de 14, na qual foi vítima de gases duas vezes, deixou-o para sempre de mãos trêmulas. Mas Éluard me deu em todos os momentos a ideia da cor celeste, de uma água profunda, de uma doçura que conhecia a força. Sua poesia tão pura, transparente como as gotas de uma chuva de primavera contra os cristais, fazia com que Paul Éluard parecesse um homem apolítico, um poeta contra a política. Não era assim. Sentia-se fortemente ligado ao povo da França, à sua causa e à sua luta.
Paul Éluard era firme, uma espécie de torre francesa, com essa lucidez apaixonada que não é o mesmo que a estupidez apaixonada tao comum.
Pela primeira vez, no México, para onde viajamos juntos, vi-o à beira de um abismo escuro, ele que sempre – com uma sábia perseverança – rejeitou a tristeza.
Estava abatido. Eu tinha convencido e arrastado este francês central para essas terras distantes e ali, no mesmo dia em que enterramos José Clemente Orozco, caí doente com uma perigosa tromboflebite que me manteve quatro meses preso à cama. Paul Éluard sentiu-se solitário, sombriamente solitário, com o desamparo do explorador cego. Não conhecia ninguém, as portas não se abriam para ele. A viuvez o acometeu e se sentia ali sozinho e sem amor. Dizia-me: “Precisamos ver a vida com companhia, participar em todos os fragmentos da vida. É irreal e criminosa a minha solidão.”
Chamei meus amigos e o obrigamos a sair. De má vontade o levaram a percorrer os caminhos do México e em um desses recantos se encontrou com o amor, com seu último amor: Dominique.

É muito difícil para mim escrever sobre Paul Éluard. Continuarei vendo-o vivo junto de mim, acesa em seus olhos a elétrica profundidade azul que olhava tão amplamente e de tão longe.
Saía do solo francês em que lauréis e raízes entretecem suas flagrantes heranças. Sua grandeza era feita de água e pedra e para ela subiam antigas trepadeiras, portadoras de flor e fulgor, de ninhos e cantos transparentes.
Transparência – é esta a palavra. Sua poesia era cristal de pedra, água imobilizada em sua corrente cantante.
Poeta do amor mais alto, fogueira pura do meio-dia, nos dias desastrosos da França deu o coração para sua pátria – e dele saiu o fogo decisivo para as batalhas.
Assim chegou às fileiras do partido comunista. Para Éluard, ser um comunista era confirmar com sua poesia e sua vida os valores da humanidade e do humanismo.
Não se pense que Éluard foi menos político que poeta. Muitas vezes me assombrava sua clara visão e sua formidável razão dialética. Juntos examinamos muitas coisas, homens e problemas de nosso tempo, e sua lucidez me foi útil para sempre.
Não se perdeu no irracionalismo surrealista porque não foi um imitador mas sim um criador e, como tal, descarregou sobre o cadáver do surrealismo disparos de claridade e inteligência.
Foi meu amigo de todo dia e perco sua ternura que era parte de meu pão. Ninguém me poderá dar agora o que ele levou consigo porque sua fraternidade ativa era um dos mais preciosos luxos de minha vida.
Torre da França, irmão! Inclino-me sobre teus olhos cerrados que continuarão me dando a luz e a grandeza, a simplicidade e a retidão, a bondade e a simplicidade que implantaste sobre a terra.

Pablo Neruda, in Confesso que vivi

Nenhum comentário:

Postar um comentário