Os
donos de jardins sempre me perguntam se árvores muito próximas
podem acabar roubando luz e água umas das outras. Nas florestas
comerciais os troncos devem engrossar e amadurecer o mais rápido
possível, e para isso precisam de muito espaço e uma copa grande,
redonda e uniforme. Além desse cuidado, de cinco em cinco anos suas
supostas concorrentes são derrubadas. Como elas são enviadas para a
serraria aos 100 anos, não chegam a envelhecer, por isso mal podemos
notar os efeitos negativos dessas ações na saúde da árvore. Quais
efeitos negativos? Não parece lógico que uma árvore cresça melhor
quando não há concorrência e ela tem à disposição muito sol
para a copa e água para as raízes?
De
fato, para espécimes de espécies diferentes, essa lógica faz
sentido, pois elas competem entre si pelos recursos. No entanto, no
caso de árvores da mesma espécie, a situação muda. Já comentei
que as faias podem fazer amizade e até alimentar umas as outras. A
floresta não tem interesse em perder seus membros mais fracos, pois
com isso surgiriam lacunas entre as copas. Com isso, a alta
incidência de luz solar e o excesso de umidade do ar perturbariam o
microclima sensível.
Por
outro lado, com o isolamento, em tese a árvore poderia se
desenvolver com liberdade e levar a vida individualmente. Poderia,
pois na prática as faias pelo menos parecem valorizar o
compartilhamento de recursos. Vanessa Bursche, da Universidade
Técnica da Renânia do Norte-Vestfália em Aachen, fez uma
descoberta fantástica com relação à fotossíntese em florestas de
faias intocadas: as árvores se sincronizam de tal forma que todas
têm o mesmo rendimento, o que é curioso, pois cada faia ocupa um
lugar único. O solo pode ser pedregoso ou muito solto, armazenar
muita ou pouca água, ser rico em nutrientes ou extremamente árido –
e essas condições podem variar bastante em questão de metros.
Dessa forma, cada árvore tem condições de crescimento diferentes e
cresce em seu ritmo, de modo que pode produzir mais ou menos açúcar
e madeira.
Tais
fatores tornam a pesquisa ainda mais surpreendente: constatou-se que
as árvores igualam os pontos fracos e fortes entre si. Não importa
se têm o tronco grosso ou fino: todos os espécimes produzem a mesma
quantidade de açúcar por folha. Esse nivelamento acontece nas
raízes. No subterrâneo ocorre uma troca ativa, segundo a qual quem
tem muito cede e quem tem pouco recebe ajuda. E é nesse momento que
entram em cena os fungos, que, com sua rede extensa, funcionam como
uma gigantesca redistribuidora de energia. Lembra um trabalho de
assistência social tentando evitar que o abismo para os indivíduos
desfavorecidos da sociedade cresça ainda mais.
Voltando
à pergunta dos jardineiros, a proximidade não é um problema para o
crescimento das faias, pelo contrário: elas gostam da situação e
com frequência seus troncos ficam a menos de 1 metro de distância.
Como resultado, as copas permanecem pequenas e grudadas. Muitos
engenheiros florestais dizem que essa proximidade não é saudável,
por isso algumas árvores são derrubadas para separar as demais. No
entanto, pesquisadores da Universidade de Lubeque descobriram que a
mata de faias cujos membros ficam próximos é mais produtiva. Há um
crescimento nitidamente
maior
de biomassa, sobretudo de madeira, o que comprova a saúde do grupo.
Elas otimizam a divisão de nutrientes e água e, assim, cada
indivíduo pode se desenvolver da melhor forma possível.
Quando
o homem resolve “ajudar” alguns espécimes livrando-os da suposta
concorrência da mesma espécie, acaba deixando as árvores restantes
solitárias. Elas mandam mensagens às árvores vizinhas em vão,
pois restam apenas os tocos de seus troncos. Com isso, cada uma passa
a cuidar apenas de si, e surgem grandes diferenças de produtividade
entre os membros. Muitos indivíduos realizam tanta fotossíntese que
transbordam açúcar. Assim, crescem melhor e ficam saudáveis, mas
não vivem mais tempo, pois a qualidade da árvore depende da mata
que a rodeia.
Na
floresta também existem muitos perdedores, membros mais fracos que
foram auxiliados pelos mais fortes mas mesmo assim ficaram para trás.
Não importa se o motivo é a localização, a falta de nutrientes, a
disposição genética ou outro problema qualquer: eles serão presas
mais fáceis de insetos e fungos.
Do
ponto de vista evolutivo, faz sentido que apenas os membros mais
fortes da comunidade sobrevivam. Mas o bem-estar do grupo depende da
comunidade, e, quando os membros supostamente fracos desaparecem, os
outros também saem perdendo. A floresta fica mais exposta e o sol
quente e as tempestades de vento alcançam o solo, interferindo na
umidade e na temperatura ideal. Mesmo as árvores fortes adoecem
muitas vezes no decorrer da vida. Quando isso acontece, passam a
precisar do auxílio das vizinhas mais fracas. Caso as árvores
menores já tenham morrido, bastará um inofensivo ataque de insetos
para selar o destino de árvores gigantescas.
Certa
vez, contribuí para um caso extraordinário de ajuda. No começo da
carreira, eu realizava anelamento em faias mais jovens (técnica que
consiste em retirar da árvore uma faixa de casca de 1 metro de
largura para provocar sua morte). No fim das contas, é um método de
redução do número de árvores no qual o tronco não é serrado,
mas a árvore é abandonada ressecada e permanece morta na floresta.
Apesar disso, elas abrem espaço para as vivas, porque suas copas se
desfolham e deixam passar mais luz para as vizinhas.
Trata-se
de um método brutal, pois elas demoram anos para morrer e foi por
essa razão que parei de usá-lo. Vi como as faias lutavam e,
sobretudo, que algumas sobreviviam apesar de tudo. Normalmente isso
não é possível, pois sem casca (mesmo que seja apenas uma faixa
dela) a árvore não consegue transportar açúcar das folhas para as
raízes. Ela morre de fome, o bombeamento para e, como não chega
mais água da madeira do tronco à copa, ela resseca. No entanto,
mesmo assim, muitos espécimes continuaram crescendo com variados
níveis de sucesso.
Hoje
sei que isso só foi possível com a ajuda de suas vizinhas intactas.
Usando a rede subterrânea, elas assumiram o fornecimento
interrompido das raízes e possibilitaram a sobrevivência de suas
companheiras. Muitas conseguiram até recuperar a casca cortada,
fazendo crescer uma nova. Confesso que quando vejo o que fiz na época
eu sinto vergonha. De qualquer forma, descobri como a comunidade das
árvores pode ser forte. O antigo ditado que diz que “A corrente
tem a força de seu elo mais fraco” poderia muito bem ter sido
criado pelas árvores. E, como elas sabem disso por intuição,
ajudam umas às outras de maneira incondicional.
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