terça-feira, 22 de junho de 2021

Em busca de outros mundos: da especulação à realidade

Catástrofes políticas e disputas sociais à parte, vivemos numa época privilegiada, mesmo que poucos se deem conta disso. Foi nessa geração que pudemos visitar todos os mundos do nosso sistema solar, de Marte a Plutão, incluindo muitas das luas que circundam os planetas gigantes. Bom lembrar que, se temos apenas nossa preciosa e inspiradora Lua, Júpiter e Saturno têm mais de sessenta objetos gravitando à sua volta. Esses mundos, cada qual com suas propriedades, é um experimento astronômico único, em que a gravidade vira alquimista e, atuando juntamente com as ações da temperatura e da pressão, transforma aglomerados de matéria em planetas com oceanos, vulcões, cânions, desertos, furacões, tempestades de areia, e, ao menos no nosso, uma profusão de seres vivos.
Claro, curiosos que somos, não ficamos satisfeitos em saber o que ocorre na nossa vizinhança. Queremos estender nosso conhecimento além do sistema solar, mesmo que, no momento, seja impossível viajarmos até a estrela mais próxima, a Alfa Centauri, que, na verdade, é um aglomerado de três estrelas a 4,37 anos-luz de distância. (Ou seja, a luz demora quatro anos e quatro meses para viajar de lá até aqui.) Felizmente, com telescópios, não precisamos ir até esses mundos distantes; podemos simplesmente vê-los de longe, tanto direta quanto indiretamente, através de seus efeitos em objetos que podemos ver.
Hoje, temos também telescópios montados em satélites em órbita muito acima da atmosfera. Mesmo que bem menores do que os telescópios terrestres, já que é difícil lançar um telescópio de 20 toneladas ao espaço, obtêm imagens extremamente claras, sem as distorções da atmosfera. Dos caçadores de novos mundos, o telescópio espacial Kepler foi o mais sensacional até agora. Lançado em 2009 pela NASA com a missão de encontrar planetas do tamanho da Terra na nossa galáxia, até janeiro de 2015 Kepler descobriu 1.013 exoplanetas confirmados e outros 3.199 ainda candidatos. (Exoplaneta é um planeta que gira em torno de uma estrela além do nosso Sol.)
Analisando essas descobertas estatisticamente, astrônomos calculam que, apenas na Via Láctea, existem em torno de 40 bilhões de planetas com dimensões semelhantes às da Terra nas zonas habitáveis de estrelas comuns e do tipo anã vermelha (uma estrela menor e mais fria do que o Sol). Vale repetir: 40 bilhões de outros mundos semelhantes ao nosso, ao menos em tamanho e composição. Baseados nesses resultados e no de outras missões dedicadas à busca por exoplanetas, podemos, também, afirmar que a maioria absoluta de estrelas têm planetas girando à sua volta. Pense nisso na próxima vez que olhar para o céu estrelado: cada ponto de luz na abóbada celeste, cada estrela, tem sua corte de planetas, muitos deles certamente rodeados por luas, como os do nosso sistema solar.
No século IV a.C., o filósofo grego Epicuro já especulava que “Existe uma infinidade de mundos, alguns como o nosso, outros distintos”. Dois mil anos mais tarde, inspirado pela visão de Epicuro, o monge italiano Giordano Bruno escreveu que esses mundos seriam como a Terra, habitados e repletos de pecado. Isso, no final do século XVI, ia contra os ensinamentos da Igreja, que insistia na centralidade da Terra, única no cosmo. Se outros mundos existissem, a importância da Terra estaria ameaçada.
Sob um prisma diferente do da doutrina católica do século XVI, essa continua sendo a questão essencial na busca por outros mundos: somos a regra ou a exceção? Existem outras Terras espalhadas pelo cosmo? Ou será que nosso planeta é único em suas propriedades, tendo, portanto, uma importância ímpar? Mesmo após a descoberta de tantos outros mundos, ainda é cedo para respondermos essa questão. Sabemos que outros mundos existem, e que muitos têm tamanhos e composição semelhantes aos da Terra, circulando suas estrelas a distâncias onde a água, se existir neles, poderá ser líquida, algo que usamos como condição imprescindível para a vida ter se originado e sobrevivido por bilhões de anos. (Refiro-me, aqui, à vida biologicamente semelhante à que temos aqui.)
Porém, a água líquida, e mesmo uma composição química semelhante (existência de carbono, oxigênio, nitrogênio etc.), é condição necessária, mas não suficiente, para a existência de vida. Ademais, como vimos nos ensaios anteriores, quando falamos de vida extraterrestre, temos que diferenciar entre seres simples, como as bactérias, e seres complexos, como os mamíferos ou os peixes. Seres inteligentes, capazes, como nós, de desenvolver tecnologias, seriam ainda mais raros.
Mesmo que estejamos, ainda, engatinhando na busca por outros planetas com vida, podemos já celebrar o que aprendemos até agora: primeiro, a existência de trilhões de mundos na nossa galáxia, e outros tantos nos bilhões de galáxias espalhadas pela vastidão do espaço; segundo, que alguns desses mundos têm propriedades semelhantes às da Terra, mesmo que jamais idênticas; terceiro que, se existir vida em alguns desses mundos, será única em cada um deles, adaptada às suas condições particulares. E, finalmente, que, por essa razão, somos únicos no cosmo, produtos de 4 bilhões de anos de evolução num planeta sem par. Paradoxalmente, na incrível diversidade de mundos no cosmo, reencontramos a centralidade do nosso planeta e da nossa espécie.

Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul

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