quinta-feira, 29 de abril de 2021

A Mão de Deus



A Mão de Deus (1898), de Auguste Rodin

Com a cabeça dobrada sobre o peito, ruminava as palavras de Zorba e, subitamente, me veio ao espírito um cidade longínqua, coberta de neve. Havia parado para olhar, numa exposição de obras de Rodin, uma enorme mão de bronze, a Mão de Deus. A palma estava entreaberta e, no meio desta palma, estáticos, enlaçados, lutavam e se confundiam um homem e uma mulher.
Uma mocinha se aproximou e parou a meu lado. Perturbada também, olhava o inquietante e eterno abraço do homem e da mulher. Ela era esguia, bem vestida, espessos cabelos louros, um queixo forte e lábios finos. E eu, que detesto comprometer-me em conversas fáceis, não sei o que me deu. Voltei-me para ela:
Em que pensa? — perguntei.
Se ao menos pudéssemos escapar! — murmurou ela com desgosto.
Para ir aonde? A mão de Deus está por toda a parte. Não há salvação. Você o lamenta?
Não. Pode ser que o amor seja a alegria mais intensa que existe na terra. É possível. Mas, vendo esta mão de bronze, tenho vontade de fugir dele.
Você prefere a liberdade?
Sim.
Mas, se não é senão quando obedecemos à mão de bronze que somos livres? Se a palavra de adeus não tivesse o sentido cômodo que lhe dá o povo?
Ela me olhou, inquieta. Seus olhos eram de um cinza metálico, seus lábios secos e amargos.
Não compreendo — disse ela, e afastou-se como se assustada.
Desapareceu. E desde então não havia me lembrado dela. E, no entanto, ela vivia certamente em mim, sob a campa de meu peito — e hoje, nesta costa deserta, ei-la que surge do fundo de meu ser, pálida e queixosa.
Sim, tinha me comportado mal; Zorba tinha razão. Era um bom pretexto para aquela mão de bronze, feito o primeiro contato, as primeiras palavras doces pronunciadas, e nós poderíamos, pouco a pouco, sem tomar consciência nem um nem outro, nos abraçar e unir na palma de Deus. Mas, havia-me lançado bruscamente da terra ao céu, e a mulher espantada fugira.

Nikos Kazantzakis, in Zorba, o Grego

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