sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

A baleia agonizante

 


Não raro nesta vida, quando, do lado certo, navegam perto de nós os prediletos da sorte, nós, embora antes estivéssemos desanimados, apanhamos algo dessa brisa súbita e com alegria sentimos nossas velas enfunarem. O mesmo pareceu suceder com o Pequod. Pois, no dia seguinte ao encontro com o festivo Solteiro, avistaram-se baleias e quatro delas foram mortas; uma delas por Ahab.
Caía o fim da tarde; e quando todas as lanças do rubro combate se foram; e flutuando no maravilhoso crepúsculo de céu e mar, sol e baleia pereciam pacificamente juntos; então, tal doçura e tal melancolia, tal voluta de orações havia, subindo pelo ar róseo espiraladas, que era como se de muito longe, dos verdejantes e castos vales profundos das ilhas de Manila, a brisa da terra Espanhola, vertida em insolente sopro náutico, tivesse ido ao mar, carregada desses cânticos vesperais.
Mais uma vez calmo, mas apenas para chegar a uma melancolia mais profunda, Ahab, que se afastara da baleia, assistia com atenção à sua agonia final, sentado em seu bote agora tranquilo. Pois aquele estranho espetáculo que se observa em todos os cachalotes agonizantes – o movimento da cabeça voltando-se na direção do sol e morrer assim –, aquele estranho espetáculo, contemplado num tão plácido entardecer, de certo modo proporcionava a Ahab um maravilhamento até então desconhecido.
Ele sempre se volta para aquela direção – quão lento, e no entanto firme, é seu semblante venerando e vocativo, na eminência de seus últimos e agonizantes movimentos. Também ele adora o fogo; nobre vassalo do sol, imenso e varonil! – Oh, que esses tão benevolentes olhos ainda vejam esses tão benevolentes espetáculos. Vede! Aqui, preso por águas longínquas; muito além de todo o zunir de felicidade ou fracasso humano; nestes mares mais cândidos e imparciais; onde para as tradições não há rochedos que forneçam placas; onde pelas longas eras Chinesas os vagalhões rolam sem voz ou ouvidos, como estrelas que brilham sobre a fonte desconhecida do Níger; aqui, também, a vida termina olhando com fé para o sol; mas, vede! Nem bem morreu, a morte faz virar o cadáver; e a cabeça permanece apontada naquela direção –
Oh, tu, escura metade Indiana da natureza, que de ossos afogados construíste teu trono separado em algum lugar no coração desses mares sem verdor! Tu és uma descrente, rainha, e falas verdadeiramente comigo na enorme matança do Tufão e no silencioso funeral da calmaria. E esta tua baleia não virou sua cabeça agonizante para o sol e depois para o outro lado sem me deixar uma lição.
Oh, flanco de poder, três vezes soldado e cingido! Oh, ambicioso e matizado jato! – aquele se empenha, este jorra em vão! Em vão, ó, cachalote, buscas a intervenção do distante sol vivificante, que apenas faz surgir a vida, mas não a restitui. Porém, tu, metade mais escura, embalas-me com uma fé mais orgulhosa, embora mais sombria. Todas as tuas combinações sem nome flutuam aqui debaixo de mim; sou sustentado à superfície pela respiração das criaturas outrora vivas, exaladas como ar, mas agora água.
Saúdo-te então, saúdo-te para sempre, ó, mar, em cuja agitação eterna a ave selvagem encontra seu único repouso. Nascido na terra, mas nutrido pelo mar; embora colina e vale me tenham servido de mãe, vós, vagalhões, sois meus irmãos de criação!”

Herman Melville, in Moby Dick

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