do meu antigamente,
as horas sentavam-se ao poente.
E nada era antigo.
Com sapiência de congênito bebedor
João Joãoquinho murmurava:
a vida é uma varanda.
Longe, passavam as horas
como garças com demasiado sono para voar.
E tudo era novo,
tão novo que nenhuma saudade morava em mim.
Joãoquinho reabria os olhos,
em arrastado mando de poesia:
o tempo é um lagarto,
não o quero aqui a sujar a casa.
Num gesto vago,
enxotava moscas e sonhos.
O que ele fazia, depois,
era entrelaçar histórias
como se na cerveja fosse molhando a palavra.
Ourives de mentiras,
João Joãoquinho convertia o mundo
numa desvairada bijuteria.
E adormecíamos,
como se a varanda nos cobrisse
mais do destino que do cacimbo.
Um dia, João
não compareceu ao poente.
E todos os seguintes dias foram póstumos.
Lagartos se enroscaram,
a saudade se sujou
e o céu envelheceu para garças.
Aos poucos,
o mundo se cansou
de morar em nossa casa.
E eu,
desvarandado,
me fiz por caminhos.
Passaram ruas e navios,
vieram intempéries e desertos,
a lembrança das palavras
do amargor do tempo me guardou.
Podem validar o óbito.
Pouco importa.
A morte de João
foi mentira que ele mesmo engendrou.
Sobre o último antigamente
a varanda perdura.
Mia Couto
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