“Jamais
houve alma mais amante ou terna do que a minha, alma mais repleta de
bondade, de compaixão, de tudo o que é ternura e amor. Contudo,
nenhuma alma há tão solitária como a minha – solitária,
note-se, não mercê de circunstâncias exteriores, mas sim de
circunstâncias interiores. O que quero dizer é: a par da minha
grande ternura e bondade, entrou no meu caráter um elemento da
natureza inteiramente oposto, um elemento de tristeza, egocentrismo,
portanto de egoísmo, produzindo um efeito duplo: deformar e
prejudicar o desenvolvimento e a plena ação interna daquelas outras
qualidades, e prejudicar, deprimindo a vontade, a sua plena ação
externa, a sua manifestação. Hei-de analisar isto; um dia hei-de
examinar melhor, destrinçar, os elementos que constituem o meu
caráter, pois a minha curiosidade acerca de tudo, aliada à minha
curiosidade por mim próprio e pelo meu carácter, conduz a uma
tentativa para compreender a minha personalidade.”
Fernando
Pessoa, in
Páginas íntimas e de auto-interpretação
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