segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Viver desse rio

Tom caminhou por entre os salgueiros, procurou um lugar sombreado e deitou-se. E Noah foi atrás dele.
Vou dormir — disse Tom.
Tom!
Hem?
Tom, eu não quero mais ir com vocês.
Tom sentou-se.
Que é que ocê tá dizendo?
Tom, eu não vou deixar este rio aqui. Vou descer pelas margens dele.
Cê tá maluco! — disse Tom.
Vou arranjar linha e anzol e vou pescando. Perto de um rio ninguém morre de fome.
E a família? E a mãe? — Tom quis saber.
Está além das minhas forças. Não posso deixar esse rio. — Os olhos grandes de Noah estavam semicerrados. — Cê sabe como é, Tom. Cê sabe que todo mundo me trata muito bem. Mas a verdade é que ninguém se importa comigo.
Ih, cê tá é maluco, mesmo.
Não, Tom. Eu sei como eu sou. Sei que eles vão ficar tristes, talvez. Mas... bom, eu não vou. Cê diz à mãe, tá bem, Tom?
Olha aqui — começou Tom.
Não adianta falar. Me meti nesse rio e não vou sair daqui. Vou descer o rio, Tom. Posso pegar peixe. Não vou deixar o rio. Não posso! — Foi se afastando lentamente. — Cê diz à mãe, Tom. — E afastou-se.
Tom seguiu-o até a beira do rio.
Escuta, seu grandessíssimo idiota...
Não vale a pena — disse Noah. — É difícil pra mim fazer isso, mas tem que ser assim. Preciso ir, e acabou-se. — Voltou-se abruptamente e seguiu rio abaixo, pela praia. Tom quis segui-lo ainda, depois resolveu desistir. Viu Noah desaparecer entre os arbustos e depois tornar a surgir, seguindo a margem do rio. E viu Noah diminuindo de tamanho pouco pouco, até sumir-se de vez entre os salgueiros. Tom tirou o boné e coçou a cabeça. Voltou ao lugar que tinha escolhido e deitou-se para dormir.
John Steinbeck, in As vinhas da ira

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