Fui
visitar uma prima que mora em Maringá e na volta para São Paulo uma
passageira, sentada ao meu lado, perguntou se eu era paranaense. Hoje
em dia as pessoas têm medo de puxar conversa, ou não têm paciência
para isso. Ou todo mundo desconfia de todo mundo. Vai ver que estamos
perdendo um pouco da informalidade de que tanto nos orgulhamos.
Desconfio que nós, brasileiros, estamos mais impacientes,
carrancudos, indóceis.
Mas
vamos ao voo e à passageira que me conquistou. Era uma mulher de uns
oitenta anos, cujo rosto desconhecia a cirurgia plástica e o
silicone. Tinha três filhos: dois homens e uma mulher.
Perguntei
se ela morava em Maringá.
“Moro,
mas viajo uma vez por mês para São Paulo.”
“Gosta
de São Paulo?”
“Adoro.
São Paulo é uma cidade tão, tão…”
Procurou
palavras para terminar a frase, hesitou, enfim disse:
“São
Paulo me liberta.”
“É
mesmo? O que a senhora quer dizer com isso?”
“Sou
viúva, meu filho mais velho mora em São Paulo, os outros, em
Maringá. Se eu pudesse, também moraria em São Paulo. Porque gosto
muito de dançar. Em Maringá é mais difícil. Não sabe como é uma
cidade pequena? Vão me chamar de velha sirigaita, ou de viúva
assanhada. Eu não ligo para nada disso, mas meus filhos, sim.”
“Sentem
ciúme da senhora?”
“Sentem
outra coisa. São crentes. Um é pastor, a outra virou carola, não
sei de qual igreja, nem me interessa. Sei que os dois não dançam,
não vão a festa nem ao cinema, não se divertem, vivem rezando,
pregando: Jesus pra cá, o Senhor pra lá, aleluia e amém. Minha
filha linda e vaidosa… Agora usa um vestido que cobre os joelhos,
não depila as pernas, nem corta o cabelo. Era elegante como uma
gazela, agora parece uma aranha. Fiz de tudo para que os dois
voltassem a ser o que eram, mas parece que foram hipnotizados. Dão
muita coisa do que ganham para a igreja. Eu não quero dinheiro, meu
finado marido me deixou bem. Queria que me levassem para dançar, só
isso. Mas não me acompanham, não. E eu fico mofando em casa,
sonhando com a dança, esperando um telefonema…”
Parou
de falar, olhou pela janelinha do avião e sorriu.
“Não
vejo a hora de pôr os pés no chão. Quando meu filho telefona para
dizer que está me esperando, só falto pular de alegria. Mas
disfarço, porque senão os dois carolas vão pensar mil coisas…
Passo a semana arrumando a mala, escolhendo os vestidos, os sapatos.
E quando chego em São Paulo, ainda ganho presentes do meu filho. Um
amor de menino. É dono de uma fábrica de grinaldas e luvas. Sempre
gostou disso: grinaldas, luvas, tiaras. É engraçado, um solteiro
que ganha dinheiro vendendo acessórios para vestido de noiva. E
ganha bem. Em maio, então, nem se fala. As noivas adoram esse mês.
Em maio as noivas desabrocham. Chove casamento. É verdade. Nesse mês
o meu menino trabalha doze horas por dia, não tem crise econômica
coisa nenhuma. Com crise ou sem crise tem muita moça que quer casar
de véu e grinalda e luva. Elas se preparam para o casamento, e eu,
para o baile. Vou com meu filho. Como ele dança bem, o danado.
Parece que está patinando no gelo. Quanta leveza, quanta agilidade.
Como ele domina o ritmo. Mas eu sou melhor. Ele sabe disso. Todos os
dançarinos do clube Homs e do Piratininga me conhecem. A viúva de
Maringá. Os homens fazem fila para dançar comigo, e todos se
cansam. Danço três, quatro horas, volto para casa às duas da
manhã, espero meu filho dormir, depois coloco um disco com minhas
músicas preferidas, me deito no sofá da sala e continuo a dançar,
sonhando. Danço um sábado por mês e domingo volto para Maringá.
Compro tecidos lindos na Vinte e Cinco de Março e minha costureira
faz dois ou três vestidos para mim. Assim posso experimentar a roupa
nova e dançar com a fotografia do meu marido. Na véspera da viagem
escolho o vestido que vou usar no próximo baile. Já estamos
descendo? Que maravilha. Meu filho está me esperando. Quer conhecer
meu menino? Você dança?”
Milton
Hatoum, in Um solitário à espreita
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