Comprei
de um mexicano vinte hectares de terra desocupada, dominada por densa
vegetação tropical. Adiantei-lhe vinte e cinco pesos, e o resto
seria pago na entrega dos títulos.
Construí
uma cabana no estilo indígena e comecei a cultivar a terra. Não era
uma tarefa fácil, ali no meio da mata, mas de todo modo pus mãos à
obra.
Logo descobri que não era o único homem branco da região; uma hora em meu cavalo me levou à casa do vizinho mais próximo, um certo doutor Cranwell. A aldeia, povoada por camponeses índios, ficava a vinte quilômetros, e o armazém, a vinte e nove. Próximo ao armazém, duas famílias americanas tentavam a sorte; além de se dedicarem à agricultura e à compra e o embarque de carvão e lenha produzidos pelos índios locais, cada uma delas mantinha um bazar de aspecto miserável.
Logo descobri que não era o único homem branco da região; uma hora em meu cavalo me levou à casa do vizinho mais próximo, um certo doutor Cranwell. A aldeia, povoada por camponeses índios, ficava a vinte quilômetros, e o armazém, a vinte e nove. Próximo ao armazém, duas famílias americanas tentavam a sorte; além de se dedicarem à agricultura e à compra e o embarque de carvão e lenha produzidos pelos índios locais, cada uma delas mantinha um bazar de aspecto miserável.
O
ranchito do doutor Cranwell situava-se numa colina no meio do mato,
assim como o meu. Ele vivia sozinho em um bangalô de três
aposentos, construído da forma mais rudimentar. Eu não sabia por
que ele fora se enterrar naquela mata e nunca procurei saber. Não
tinha nada com isso.
Ele
se dedicava à criação de animais, ou ao que ele chamava de
criação. Tinha duas vacas, dois cavalos, três mulas e algumas
colmeias. Os pássaros silvestres comiam as abelhas o tempo todo,
pegando-as ao entrar ou sair da colônia. Isso limitava sua produção
a um volume suficiente apenas para o doutor saborear um pouco de mel
no café da manhã de vez em quando.
Seus
vizinhos mais próximos eram duas famílias de índios, que viviam a
pouco menos de um quilômetro de seu ranchito. Ele contratara os
homens para o trabalho agrícola e as mulheres para o parco serviço
doméstico.
O
doutor Cranwell passava a maior parte do tempo lendo. Quando não se
dedicava à leitura, deixava-se ficar sentado à varanda do bangalô,
contemplando os milhares de quilômetros quadrados de selva que se
estendiam à sua frente a perder de vista. Aquela mata era de um
verde triste e poeirento, que só se iluminava durante quatro meses
do ano, depois do fim da estação das chuvas.
Alguns
agrupamentos indígenas, nenhum deles com mais de três famílias,
espalhavam-se pela vasta região, e a única maneira de saber onde se
encontravam era pela fumaça que podia ser vista, em determinadas
horas do dia, pairando acima dos jacalitos1 ocultos.
Uma
pessoa comum poderia ficar esgotada, quem sabe até perder o juízo,
se não pudesse contemplar nada além daquela vasta extensão de
floresta sombria. O médico, porém, gostava daquela paisagem.
E
eu também. Podia passar horas contemplando aquela selva sem nunca me
cansar dela. Na verdade, o que me interessava não era o que eu
conseguia ver. Era poder imaginar os grandes e pequenos episódios
que se desenrolavam naqueles matagais espinhosos lá embaixo. Não
havia um minuto de descanso na eterna batalha pela sobrevivência,
pelo amor. Criação e destruição... Eu não tinha bem certeza, mas
imaginava que o médico sentia a mesma coisa. Só que ele nunca disse
isso.
Minha
casa ficava na mesma elevação que a sua, embora um pouco mais
abaixo. Eu estava bem mais longe dos vizinhos que ele. Só muito
raramente a solidão me incomodava. Quando isso acontecia, eu selava
meu pônei e ia visitar o médico, só para ver um rosto humano e
ouvir a voz de alguém.
Uma
floresta tropical é tão cheia de vida que é simplesmente
impossível entregar-se à tristeza quando se é capaz de sentir todo
o universo em cada pequeno inseto, em cada lagarto, em cada trinado
de pássaro, em cada farfalhar de folhas, em cada cor e forma de
flor. De vez em quando, porém, eu sentia um arrepio de medo e meu
coração fraquejava. Era como estar sozinho num avião, rodeado de
nuvens, com o motor rateando e sem instrumentos de orientação. Ou
como estar sozinho num pequeno barco, longe da costa, sem nenhum
pássaro à vista, num mar silencioso, com o Sol começando a
declinar.
O médico não era de falar muito. Viver sozinho na mata tropical faz você ficar silencioso, embora rico em pensamentos. Não se passa um minuto do dia ou da noite sem que a selva lhe fale, seja com sua voz contínua, incessante, seja por seu eterno crescimento e decomposição. Fatalmente você chega à conclusão de que a vida só pode ter um sentido: “Aproveite-a enquanto ela durar e desfrute dela o máximo que puder, porque a morte está dentro de você desde o momento em que nasceu”.
O médico não era de falar muito. Viver sozinho na mata tropical faz você ficar silencioso, embora rico em pensamentos. Não se passa um minuto do dia ou da noite sem que a selva lhe fale, seja com sua voz contínua, incessante, seja por seu eterno crescimento e decomposição. Fatalmente você chega à conclusão de que a vida só pode ter um sentido: “Aproveite-a enquanto ela durar e desfrute dela o máximo que puder, porque a morte está dentro de você desde o momento em que nasceu”.
Em
minhas visitas, o médico e eu nos deixávamos ficar em nossas
cadeiras de balanço por duas ou três horas sem que nenhum de nós
dissesse uma palavra. Não sei por que, porém, isso nos contentava.
B.
Traven, in O visitante noturno
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