quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Nossas boas e más ações

É de um sadismo soberbo pensar que deveríamos ser julgados pelas nossas boas e más ações, uma vez que só de um pequeníssimo número das nossas ações podemos decidir. O acaso cego, que se distingue da justiça cega pelo simples facto de ainda não usar venda, introduz e acaba as nossas ações; o que podemos fazer e, bem entendido, o que devemos fazer, em virtude da existência tantas vezes negada da nossa consciência, é deixarmo-nos arrastar numa certa direção e mantermo-nos depois nessa direção enquanto conservamos os olhos abertos e estamos conscientes de que o fim em geral é uma ilusão, pelo que o fundamental é a direção que mantivermos, pois só ela se encontra sob o nosso controlo, sob o controlo do nosso miserável eu. E a lucidez, sim, a lucidez, os olhos abertos fitando sem medo a nossa terrível situação devem ser a estrela do eu, a nossa única bússola, uma bússola que cria a direção, porque sem bússola não há direção. Mas se me disponho agora a acreditar na direção, passo a duvidar dos testemunhos relativos à maldade humana, uma vez que no interior de uma mesma direção – em si mesma excelente – podem existir correntes boas e más.”
Stig Dagerman, in A ilha dos condenados

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