“É
de um sadismo soberbo pensar que deveríamos ser julgados pelas
nossas boas e más ações, uma vez que só de um pequeníssimo
número das nossas ações podemos decidir. O acaso cego, que se
distingue da justiça cega pelo simples facto de ainda não usar
venda, introduz e acaba as nossas ações; o que podemos fazer e, bem
entendido, o que devemos fazer, em virtude da existência tantas
vezes negada da nossa consciência, é deixarmo-nos arrastar numa
certa direção e mantermo-nos depois nessa direção enquanto
conservamos os olhos abertos e estamos conscientes de que o fim em
geral é uma ilusão, pelo que o fundamental é a direção que
mantivermos, pois só ela se encontra sob o nosso controlo, sob o
controlo do nosso miserável eu. E a lucidez, sim, a lucidez, os
olhos abertos fitando sem medo a nossa terrível situação devem ser
a estrela do eu, a nossa única bússola, uma bússola que cria a
direção, porque sem bússola não há direção. Mas se me disponho
agora a acreditar na direção, passo a duvidar dos testemunhos
relativos à maldade humana, uma vez que no interior de uma mesma
direção – em si mesma excelente – podem existir correntes boas
e más.”
Stig
Dagerman, in A ilha dos condenados
Nenhum comentário:
Postar um comentário