Fiquei
em casa em vez de ir ao hipódromo hoje. Estava com a garganta
inflamada e uma dor no topo da cabeça, um pouco para o lado direito.
Quando você chega aos 71 anos, nunca se pode adivinhar quando sua
cabeça vai explodir através do para-brisa. Ainda vou atrás de uma
boa bebedeira de vez em quando e fumo cigarros demais. O corpo fica
puto da cara comigo quando faço isso, mas a mente também tem que
ser alimentada. E o espírito. Beber alimenta minha mente e meu
espírito. De qualquer forma, fiquei em casa, dormi até as 12:20.
Dia
frouxo. Entrei na piscina de hidromassagem como um boa-vida. O sol
estava brilhando e a água borbulhava e fazia redemoinhos, quente.
Relaxei. Por que não? Dê um tempo. Tente se sentir melhor. O mundo
inteiro é um saco de merda se rasgando. Não posso salvá-lo. Mas
recebi muitas cartas de pessoas que disseram que meus livros salvaram
suas vidas. Mas não escrevi para isso, escrevi para salvar a minha
própria vida. Sempre estive por fora, nunca me adaptei. Descobri
isso nos pátios das escolas. E outra coisa que aprendi foi que eu
aprendia muito devagar. Os outros caras sabiam tudo; eu não sabia
merda nenhuma. Tudo estava imerso numa luz branca e estonteante. Eu
era um idiota. No entanto, mesmo quando eu era um idiota, sabia que
não era um idiota completo. Eu tinha algum cantinho de mim que
estava protegendo, havia alguma coisa lá. Não importa. Aqui estava
eu na piscina e minha vida estava terminando. Não me importava, já
tinha visto o circo. Ainda assim, sempre haverá mais coisas para
escrever até que me atirem na escuridão ou seja o que for. Isto é
que é legal sobre a palavra, permanece indo em frente, buscando
coisas, formando frases, se divertindo. Eu estava cheio de palavras e
elas ainda saíam em boa forma. Eu tinha sorte. Na piscina. Garganta
ruim, dor de cabeça, eu tinha sorte. Velho escritor na piscina,
meditando. Legal, legal. Mas o inferno está sempre lá, esperando
para se abrir.
Meu
velho gato amarelo veio e me olhou na água. Olhamos um para o outro.
Sabíamos tudo e nada. Daí, foi embora.
O
dia continuou. Linda e eu almoçamos em algum lugar, não lembro
onde. A comida não estava muito boa, cheio de pessoas de sábado.
Estavam vivas, mas não estavam vivas. Sentadas nas mesas e nos
reservados, comendo e falando. Espere, Jesus, isso me lembra alguma
coisa. Almocei aqui outro dia antes de ir ao hipódromo. Sentei no
balcão, estava completamente vazio. Fiz meu pedido e estava comendo.
Homem entrou e sentou no banco BEM AO MEU LADO. Havia outros 20 ou 25
bancos vazios. Ele sentou no que estava ao meu lado. Não gosto tanto
assim de pessoas. Quanto mais longe estou delas, melhor eu me sinto.
Fez o pedido e começou a falar com a garçonete. Sobre futebol
americano profissional. Eu mesmo vejo às vezes, mas falar disso num
café? Eles falaram sem parar, tagarelaram sobre isso e aquilo. Sem
parar. Jogador predileto. Quem deveria ganhar etc. Daí, alguém de
um reservado entrou na conversa. Acho que não teria me incomodado
tanto se não estivesse roçando os cotovelos com aquele desgraçado
ao meu lado. Um bom tipo, com certeza. Ele gostava de futebol.
Seguro. Americano. Sentado ao meu lado. Esqueça. Então, sim,
almoçamos, Linda e eu, voltamos e a tarde passou calma, e logo
depois que escureceu a Linda reparou em alguma coisa. Ela era boa
nesse tipo de coisa. Eu a vi voltando pelo pátio e ela disse: “O
Velho Charlie caiu, os bombeiros estão lá”.
O
Velho Charlie é o cara de 96 anos que mora na grande casa ao lado da
nossa. A mulher morreu na semana passada. Estavam casados há 47
anos. Fui até a frente e lá estava o caminhão dos bombeiros. Havia
um cara parado lá.
“Sou
vizinho do Charley. Ele está vivo?”
“Está”,
disse ele.
Era
evidente que estavam esperando pela ambulância. O caminhão dos
bombeiros tinha chegado antes. Linda e eu esperamos. A ambulância
chegou. Foi estranho. Dois baixinhos saíram, pareciam muito
pequenos. Ficaram lado a lado. Três caras do caminhão de bombeiros
ficaram ao seu redor. Um deles começou a falar com os baixinhos.
Ficaram ali e concordaram com a cabeça. Daí, aquilo acabou. Foram e
pegaram a maca. Levaram-na pela longa escadaria até a casa.
Ficaram
lá um tempão. Daí, saíram. O Velho Charley estava preso na maca.
Quando estavam prontos para colocá-lo na ambulância, demos um passo
à frente. “Aguenta firme, Charley”, eu disse. “Estaremos
esperando por você quando voltar”, disse Linda.
“Quem
são vocês?”, Charley perguntou.
“Somos
seus vizinhos”, Linda respondeu.
Daí,
foi colocado na ambulância e se foi. Um carro vermelho, com dois
parentes, os seguiu.
Meu
vizinho veio do outro lado da rua. Nos demos as mãos. Tomamos
algumas bebedeiras juntos. Contei a ele sobre Charley. E estávamos
todos chateados porque os parentes o deixavam muito tempo sozinho.
Mas não havia muito que pudéssemos fazer.
“Vocês
têm que ver a minha cachoeira”, disse meu vizinho.
“Tudo
bem”, eu disse. “Vamos lá.”
Atravessamos
a rua, passamos por sua mulher, pelos filhos, saímos pela porta dos
fundos para o pátio, passando pela piscina e, com certeza, lá no
fundo, havia uma ENORME cachoeira. Subia toda uma escarpa e parte da
água parecia estar saindo de um tronco de árvore. Era imensa. E
construída de pedras lindas e enormes de cores diferentes. A água
rugia, inundada de luzes. Era difícil de acreditar. Havia um
operário lá, ainda trabalhando na cachoeira. Havia mais coisas a
serem feitas.
Apertei
a mão do operário.
“Ele
leu todos os seus livros”, meu vizinho disse.
“Tá
brincando”, eu disse.
O
operário sorriu para mim.
Então,
voltamos para a casa. Meu vizinho me convidou: “Que tal um copo de
vinho?”.
Disse
para ele: “Não, obrigado”. Daí expliquei sobre a garganta
inflamada e a dor no topo da minha cabeça.
Linda
e eu atravessamos a rua e voltamos para casa.
E,
basicamente, foi isso sobre o dia e a noite.
Charles
Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros
tomaram conta do navio
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