[...] Sentou-se
junto ao Lobo. Suas pernas ficaram balançando no ancoradouro. A
única coisa que nele se movia era o cigarro apagado, que ia de um
canto para outro da boca. Tinha se levantado da mesa depois de ter
provado uns bocados. Quanto tempo fazia que ele tinha perdido o
prazer de desfrutar de uma refeição? Quanto tempo fazia que ela já
não sentia vontade de preparar para ele frango à calabresa ou
ravioles caseiros? Quanto tempo fazia que a vida perigosa e o
dinheiro tinham terminado?
– Veja
esta noite tão estranha – disse a Galega.
Colou-se
a ele e agarrou em seu braço.
– Cheiro
coisa feia, homem. Vem coisa ruim. Vamos embora daqui. O que estamos
esperando?
O
Lobo não respondeu. Então ela perguntou pelo Colt. Tinha revirado a
casa e não tinha encontrado o revólver.
Ele,
com um puxão, se desvencilhou do seu braço.
– Já
sei. Você o vendeu – disse a Galega.
Ele
se levantou. Ela se pôs na sua frente. – Você vai me contar –
disse ela.
Ele
a empurrou para o lado e ela o perseguiu, aos tropeções,
segurando-o pela camisa e golpeando-lhe o peito.
– Você
está doente, Lobo. Está louco. O que estamos esperando? Que venham
matar-nos? Eu já não posso viver assim. Porque eu, agora, eu...
Quero que você saiba que...
Lobo
cuspiu o cigarro e disse:
– Reze.
Se quiser, ou lembrar.
Ela
deu um passo para trás e seus olhos brilharam:
– Você
já não tem grandeza nenhuma, nem para se gabar, Lobo.
Com
a mão aberta, ele deu um tapa no rosto dela.
O
riacho carregava uma água barrenta em direção ao rio aberto. A
maré estava subindo.
O
matador, escondido atrás dos juncos, estava com o dedo no gatilho do
fuzil. Tinha amarrado seu barco na entrada de um canal e se
aproximou, rodeando a ilha pelo lado de trás. Estava perto dos
acossados. De onde estava, apesar de estar escuro e dos salgueiros,
dava para ver bem os dois. Sempre pensara que matá-los de longe não
teria graça. “Meu corpo é do tamanho do caixão desse homem”,
tinha pensado sempre, “e o corpo dele tem o tamanho do meu”.
Também sempre soube que era preciso matar a Galega, para que o Lobo
morresse de verdade. Uma ou outra vez nas perseguições que o
levaram a cidades e praias distantes, pensou que não seria má ideia
amarrá-los cara a cara, levá-los para o barco e jogá-los no mar,
para que tivessem o tempo suficiente de, atados um ao outro,
odiarem-se até o fundo da alma antes que a sede queimasse suas
gargantas. Mas decidiu-se pelas balas. Ia precisar de muita bala para
acabar com as sete vidas que eles tinham.
Agora
estava à mão. Era fácil.
Levantou
o fuzil e o apoiou ao longo do rosto.
Então,
ouviu a discussão.
Viu
o Lobo dar o tapa e a Galega cair no chão. Viu quando o Lobo caiu de
joelhos. O Lobo apertou a cabeça entre as mãos. O matador pensou
ouvi-lo gemer. O Lobo passou a mão no rosto da Galega, pegou água
do rio e molhou seu rosto. A Galega não reagia.
Mas
o matador não matou. Passou anos perseguindo-os, mas não os matou.
Talvez porque, junto com o momento da morte, chegou a revelação de
que o castigo não está na morte, mas no mal que sua sombra faz;
talvez porque tenha percebido que acossar era o que dava sentido a
seus próprios dias de perseguidor.
Abaixou
o fuzil.
Alonso
cruzou com o barco que voltava. Na escuridão, ainda conseguiu ver os
ataúdes. O forasteiro remava em pé, como na viagem de ida, sem
pressa. Alonso deteve seu bote e esperou com os remos no ar. O
forasteiro não voltou a cabeça.
“Não
há nada que fazer”, pensou Alonso. Mas seguiu viagem rio acima.
Não demorou a ver a ilha aparecendo como um castelo de árvores na
neblina negra: havia alguma coisa nela, uma luminosidade
fantasmagórica, que gelava o sangue.
Alonso
não escutou quando a Galega disse ao Lobo:
– Não
voltarei. Não estou esquecendo nada aqui.
A
Galega estava em pé no ancoradouro, com a mala ao lado, esperando.
Sozinha.
– Está
vivo? – perguntou Alonso.
– Sim
– disse a Galega.
Alonso
viu seu rosto machucado mas não perguntou nada mais. Colocou a mala
no bote e ela se sentou, de frente para a proa.
Eduardo
Galeano, in Vagamundo
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