O
homem voltou à terra natal e achou tudo mudado. Até a igreja mudara
de lugar. Os moradores pareciam ter trocado de nacionalidade, falavam
língua incompreensível. O clima também era diferente.
A
custo, depois de percorrer avenidas estranhas, que se perdiam no
horizonte, topou com um cachorro que também vagava, inquieto, em
busca de alguma coisa. Era um velhíssimo animal sem trato, que parou
à sua frente.
Os
dois se reconheceram: o cão Piloto e seu dono. Ao deixar a cidade, o
homem abandonara Piloto, dizendo que voltaria em breve, e nunca mais
voltou. O animal inconformado procurava-o por toda parte. E
conservava uma identidade que talvez só os cães consigam manter, na
Terra mutante.
Piloto
farejou longamente o homem, sem abanar o rabo. O homem não se animou
a acariciá-lo. Depois, o cão virou as costas e saiu sem destino. O
homem pensou em chamá-lo, mas desistiu. Afinal, reconheceu que ele
próprio tinha mudado, ou que talvez só ele mudara, e a cidade era a
mesma, vista por olhos que tinham esquecido a arte de ver.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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