segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O lirismo absoluto

Eu gostaria de explodir, escorrer, decompor-me - e que esta destruição seja a minha obra, minha criação, minha inspiração. Produzir-me no esvaziamento, elevar-me, num ímpeto demente, para além dos confins - e que minha morte seja meu triunfo. Eu gostaria de fundir-me ao mundo e que o mundo se fundisse em mim - que nós gerássemos, em nosso delírio, um sonho apocalíptico, estranho como uma visão do fim e magnífico como um grande crepúsculo. Que nasçam, do tecido de nosso sonho, esplendores enigmáticos e sombras conquistadoras, que um incêndio total engula este mundo e que suas chamas provoquem volúpias crepusculares, tão complicadas quanto a morte e tão fascinantes como o vazio. Preciso das tensões da demência para que o lirismo atinja sua expressão suprema. O lirismo absoluto é aquele dos últimos instantes. A expressão aí confunde-se com a realidade, torna-se tudo, torna-se uma hipóstase do ser. Não mais objetivação parcial, menor e não reveladora, mas parte integrante de nós mesmos. À partir de então, não contam mais apenas a sensibilidade e a inteligência, mas também o ser, o corpo inteiro e toda a nossa vida com seu ritmo e suas pulsações. O lirismo total não é nada mais que o destino levado ao grau supremo do conhecimento de si. Cada uma das suas expressões é um pedaço de nós mesmos. Só é possível encontrá-lo em momentos essenciais, quando os estados expressos consomem-se ao mesmo tempo em que a própria expressão - como o sentimento da agonia e o fenômeno complexo do morrer. O ato e a realidade coincidem: o primeiro não é mais uma manifestação da segunda, mas é ela própria. O lirismo como inclinação para a auto-objetivação situa-se para além da poesia, do sentimentalismo, etc. Ele se aproxima antes de uma metafísica do destino, na medida em que nele se encontram uma total atualidade da vida e o conteúdo mais profundo do ser em busca de conclusão. Em regra, o lirismo absoluto tende a tudo resolver - mas a resolver em direção à morte. Pois tudo aquilo que é capital relaciona-se com ela.
A sensação da confusão absoluta! Não mais ser capaz de qualquer distinção, nada mais poder esclarecer, nada mais entender... Esta sensação faz do filósofo um poeta. Todos os filósofos, enquanto isto, não podem, nem conhecê-la, nem vivê-la com uma intensidade permanente. Se eles a conhecessem, não poderiam mais filosofar de maneira abstrata e rigorosa. O processo de transformação do filósofo em poeta é essencialmente dramático. Do pico do mundo definitivo, formas e questões abstratas assombram-nos, em plena vertigem dos sentidos, na confusão do elementos da alma, que se entrelaçam para dar a luz à construções bizarras e caóticas. Como se poderia engajar na filosofia abstrata enquanto sente-se o desdobramento de um drama complexo em que se misturam um pressentimento erótico com uma inquietude metafísica torturante, o medo da morte com uma aspiração à inocência, a renúncia total com um heroísmo paradoxal, o desespero com o orgulho, o pressentimento da loucura com um desejo de anonimato, o grito com o silêncio e o entusiasmo com o vazio? Além disso, estas tendências misturam-se e elevam-se numa efervescência suprema e numa loucura interior, até a confusão total. Isto exclui toda filosofia sistemática, toda construção precisa. Muitos espíritos começaram pelo mundo das formas para terminar na confusão. Também eles já não podem mais filosofar de uma maneira diferente da poética. Mas neste grau de confusão, somente contam os suplícios e as volúpias da loucura.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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