O menino moderno,
familiarizado com o computador, ficou curioso sobre como eram as
coisas no trabalho do seu pai no tempo em que não havia
computadores. O pai, entusiasmado com a súbita curiosidade do filho,
pôs-se a campo para encontrar sua velha Olivetti portátil, amante
esquecida, abandonada — e ele nem sabia ao certo onde ela estava.
Depois de muito procurar, encontrou-a dentro de uma mala velha cheia
de tranqueiras. Tirou-a da sepultura, limpou-a, conferiu as teclas e
alavancas, e também as fitas metade preta e metade vermelha,
colocando-a então de novo no mesmíssimo lugar sobre a mesa onde
vezes sem conta eles estiveram juntos. “Como é que funciona,
pai?”, o menino perguntou. “É assim que funciona...”,
respondeu o pai. A seguir, colocou uma folha de papel sulfite no
rolo, ajustou as margens e começou a “daquitilografar” (era
assim que o meu pai falava) umas frases soltas. Ao ver a máquina em
ação, o menino fez um “oh” de espanto. “Que máquina mais
adiantada, diferente dos computadores. É só digitar as letras que o
texto sai impresso...” O que me fez lembrar um texto divertidíssimo
de Cortázar que se chama, se não me engano, A história das
invenções. Só que tudo acontece não de trás para a frente,
mas da frente para trás. A história começa num voo de supersônico
de Nova York a Paris. Três horas. Aí os homens, inteligentes,
pensaram que o prazer da viagem poderia ser aumentado se os aviões,
em vez de voarem a uma velocidade acima da velocidade do som e a uma
altura de quinze quilômetros, passassem a voar a uma velocidade de
400 quilômetros por hora a uma altura de três quilômetros. Assim,
poderiam ficar muito mais tempo longe do trabalho e ver os rios,
bosques e vilas... E assim vai acontecendo a história das invenções,
sempre ao contrário e sempre melhor... Até que, depois de muito
progresso, da invenção dos navios a vela não poluentes e das
bicicletas que fazem bem ao coração, os humanos inventam a mais
fantástica de todas as invenções: eles inventam o “andar a pé”…
Rubem Alves,
in Pimentas: para
provocar um incêndio, não é preciso fogo
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