Capitão Ahab
“Quem teria
imaginado uma coisas dessas, Flask!”, exclamou Stubb; “se eu
tivesse apenas uma perna, você não me veria num bote, a não ser
talvez para tapar um buraco com a minha perna de pau. Ah! Ele é um
velho formidável!”
“Não acho nada
de surpreendente, por conta disso”, disse Flask. “Se a perna dele
fosse cortada até os quadris, aí seria diferente. Isso o tornaria
inválido; mas, você sabe, ele tem um dos joelhos e boa parte do
outro.”
“Não sei, não,
meu pequeno; nunca o vi de joelhos.”
* * * * * * *
Entre os
conhecedores de baleias, discute-se muito se, considerando a
importância fundamental de sua vida para o êxito da viagem, é
certo um capitão baleeiro arriscar essa vida tomando parte ativa nos
perigos da pesca. Assim os soldados de Tamerlão sempre discutiam,
com lágrimas nos olhos, se aquela vida valiosa deveria ser exposta
ao fragor da batalha.
Mas com Ahab a
questão assumia um aspecto diverso. Considerando-se que em duas
pernas o homem é apenas uma criatura claudicante diante do perigo;
considerando-se que a perseguição de baleias se dá sempre em
grandes e extraordinárias dificuldades; que cada momento isolado, de
fato, assim encerra um risco; sob tais circunstâncias será prudente
um aleijado subir num bote baleeiro durante a caçada? De um modo
geral, os proprietários do Pequod deveriam achar que não.
Ahab bem sabia que
seus amigos em terra não se preocupariam com o fato de ele entrar
num bote em meio às vicissitudes relativamente inócuas da caçada,
só para estar perto da ação e dar ordens pessoalmente, mas ter um
bote exclusivamente à sua disposição para conduzir a caçada –
e, além disso, equipado com cinco homens adicionais, para tripular
este bote, o Capitão Ahab bem sabia que tais conceitos generosos
jamais passariam pela cabeça dos proprietários do Pequod.
Portanto, não havia solicitado a eles uma tripulação para o bote,
nem de forma alguma havia demonstrado seus desejos nesse sentido. Não
obstante, havia tomado em particular todas as providências
necessárias quanto ao caso. Até se tornar pública a descoberta de
Archy, os marinheiros mal poderiam imaginar tal coisa, embora pouco
depois de deixarem o porto, todos tendo terminado a rotina de
preparar os botes para o serviço, algum tempo depois disso, Ahab
tivesse sido visto ocupado com a preparação de toletes para o bote
que se considerava de reserva com as próprias mãos, e até mesmo
cortando pequenos espetos de madeira, que são fixados na ranhura da
proa para deixar correr a corda: quando viram tudo isso, e, em
especial, sua solicitude ao colocar um forro suplementar para
revestir o fundo do bote, como que para fazê-lo suportar melhor a
pressão aguda de sua perna de marfim, e também a ansiedade que
demonstrou ao modelar com precisão a tábua de coxa, como é chamada
às vezes a peça horizontal da proa do bote para segurar o joelho
quando se atira a lança contra a baleia; quando viram quantas vezes
ele subia naquele bote e ficava com o seu único joelho preso na
concavidade semicircular da tábua, e com um cinzel de carpinteiro
tirando um pouco ali, acertando um pouco aqui; todas essas coisas,
repito, despertaram muito interesse e curiosidade. Mas quase todos
pensaram que esses cuidados especiais preparatórios de Ahab visavam
apenas à caçada final de Moby Dick; pois ele já havia revelado sua
intenção de dar caça ao monstro mortal pessoalmente. Mas tal
suposição de modo algum envolvia a mais remota suspeita de que
houvesse uma tripulação designada para aquele bote.
Ora, com os
fantasmas subalternos, qualquer mistério que ainda houvesse logo se
dissipou; pois num baleeiro os mistérios logo mínguam. Além disso,
vez por outra, chega uma indefinível miscelânea oriunda de
estranhas nações, dos mais remotos tugúrios e covis da terra para
guarnecer os baleeiros de foragidos flutuantes; e os próprios navios
muitas vezes recolhem estranhas criaturas à deriva no mar aberto, a
se debater sobre tábuas, restos de naufrágios, remos, botes,
canoas, juncos japoneses destroçados, e não sei mais o quê; tanto
que o próprio Belzebu poderia subir pelo costado e entrar na cabine
para conversar com o capitão, que isso não causaria nenhuma comoção
irrefreável no castelo de proa.
Mas, seja como for,
o certo é que logo os fantasmas subalternos encontraram seus lugares
em meio à tripulação, embora ainda fossem um pouco diferentes dos
outros; entretanto Fedallah, o homem do turbante na cabeça,
manteve-se um mistério protegido até o fim. De onde viera até este
mundo gentil, que tipo de ligação inexplicável o unia ao destino
particular de Ahab, a ponto de exercer sobre este uma espécie de
pressentida influência, só Deus sabe; mas parecia exercer até
mesmo autoridade sobre ele. Mas não era possível manter um ar de
indiferença em relação a Fedallah. Era uma dessas criaturas que as
pessoas civilizadas e domésticas da zona temperada veem apenas em
sonhos, e ainda assim vagamente; mas cujo tipo às vezes ocorre nas
imutáveis comunidades Asiáticas, especialmente nas ilhas Orientais
a leste do continente – aqueles países isolados, imemoriais e
imutáveis, que mesmo nos tempos modernos ainda guardam muito do
primitivo e do fantasmagórico das primeiras gerações da terra,
quando a recordação do primeiro homem era uma lembrança nítida, e
todos os homens seus descendentes, ignorando de onde ele veio,
olhavam uns para os outros como verdadeiros fantasmas, e perguntavam
ao sol e à lua por que foram criados e com qual finalidade; quando
no entanto, segundo o Gênese, os anjos de fato se casavam com
as filhas dos homens, e – acrescentam os rabinos não canônicos –
também os demônios se entregavam a amores terrenos.
Herman Melville,
in Moby Dick
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