sábado, 30 de setembro de 2017

O bem mais perigoso

Havendo meditado profundamente sobre a afirmação do poeta Hölderlin — “a linguagem é o mais perigoso de todos os bens” —, o sr. Saturnino deliberou recolher-se à mudez total. Sua boca não pronunciou mais um monossílabo.
A família sentiu que não havia argumento ou artifício capaz de devolvê-lo ao mundo dos sons, e por sua vez foi ficando calada. No fim de seis meses ninguém falava naquela casa. Nem as moscas zumbiam.
A história da família silenciosa provocou certa curiosidade, mas outros seis meses se passaram, e não se prestou mais atenção naquilo. Saturnino e família foram esquecidos.
Não pediam, não reclamavam, não pleiteavam nada. Ultimamente nem saíam de casa. A casa não se abria. O fiscal de arrecadação, por força de lei, bateu à porta para intimar Saturnino a pagar com multa os impostos. A porta abriu-se sem ranger e lá dentro foram encontrados Saturnino e seus familiares transformados no advérbio jamais.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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