Não
existe no mundo tanta gente como o número de ordem que me deram no
cartão de identidade, que não vou te mostrar porque não poderias
lê-lo antes de o ter dividido da direita para a esquerda em grupos
de três, para depois o pronunciares cuidadosamente da esquerda para
a direita. Sei que o mesmo acontece contigo, mas que te importa, que
nos importa isso — antes que um dia nos identifiquem a ferro em
brasa, como fazem os estancieiros com o seu gado amado?
Esse
número, de quintilhões ou quatrilhões, não me lembro mais, me faz
recordar que venho desde o princípio do mundo, lá do fundo das
cavernas, depois de pintar nas suas paredes, com uma habilidade hoje
perdida, aqueles animais que vejo nos álbuns, milagre de movimento e
síntese. Agora sou analítico, expresso-me em símbolos abstratos e
preciso da colaboração do leitor para que ele “veja” as minhas
imagens escritas.
Olho
em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no
balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco
desde o início das eras. Pensa que está somente afogando os
problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar
inquietação do mundo!
Mário Quintana, in A
vaca e o hipogrifo
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