―
Filhosdumagrandíssima ― balbuciou
Lituma, sentindo que ia vomitar. ― O que fizeram com você,
magrinho.
O
rapaz estava ao mesmo tempo enforcado e enfiado na velha algarobeira,
em uma posição tão absurda que mais parecia um espantalho ou um No
Carnavalón escarrapachado que um cadáver. Antes ou depois de
matá-lo haviam cortado seu corpo em tiras com uma crueldade sem
limites: tinha o nariz e a boca cortados, coágulos de sangue
ressequido, equimoses e cortes, queimaduras de cigarro, e, como se
não fosse bastante, Lituma compreendeu que também haviam tentado
capá-lo, porque os ovos pendiam até a entreperna. Estava descalço,
despido da cintura para baixo, com uma camiseta em pedaços. Era
jovem, magro, moreninho e ossudo. Na confusão de moscas que
revoluteavam ao redor de sua cara reluziam seus cabelos pretos e
crespos. As cabras do moleque remanchavam à volta, esgravatando os
pedregulhos do descampado em busca de alimentos e Lituma pensou que a
qualquer momento começariam a mordiscar os pés do cadáver.
― Quem
porra fez isto? ― balbuciou, contendo a náusea.
― E
eu sei? ― disse o moleque. ― Por que me diz palavrão, que culpa
eu tenho? Agradeça por eu ter avisado.
― Não
é com você, moleque ― murmurou Lituma. Só estou praguejando
porque parece mentira que haja no mundo gente tão perversa.
O
moleque deve ter levado o susto de sua vida essa manhã, ao passar
com suas cabras por este pedregal e topar com semelhante espetáculo.
Tinha se portado como um cidadão exemplar, o moleque. Deixou o
rebanho pastando pedras junto ao cadáver e correu a Talara para dar
parte à polícia. Tinha mérito porque Talara estava no mínimo a
uma hora a pé daqui. Lituma lembrou dessa carinha suada e a voz de
assombro quando apareceu na porta do Posto:
―
Mataram um sujeito lá, no caminho de
Lobitos. Se quiserem, levo vocês, mas agorinha mesmo. Deixei as
cabras soltas e podem roubá-las.
Não
tinha roubado nenhuma, felizmente; ao chegar, enquanto ainda não se
recuperava do pavor que fora para ele ver o estado do morto, o guarda
vira o moleque contando com os dedos o rebanho e o ouviu suspirar,
aliviado: "Todinhas”.
― Mas,
pela Santíssima Virgem ― exclamou o taxista às suas costas. ―
Mas, mas, que é isto?
No
caminho, o moleque descrevera mais ou menos o que veriam, mas uma
coisa era imaginá-lo, outra vê-lo e cheirá-la. Porque também
fedia muitíssimo. Não era para menos, com esse sol que parecia
perfurar pedras e crânios. Estaria se decompondo rapidamente.
― Me
ajuda a tirar ele daí, Dom?
― Que
remédio ― grunhiu o taxista, persignando-se. Cuspiu em direção à
algarobeira. ― Se me tivessem dito para que o Ford ia servir, não
o compraria nem de brincadeira.
― Você
e o Tenente abusam porque pensam que eu sou muito bonzinho.
Dom
Jerônimo era o único taxista de Talara. Seu velho calhambeque,
preto e grande como uma carroça funerária, podia passar quantas
vezes quisesse pela cerca que separava o povoado da zona reservada,
onde estavam os escritórios e as casas dos gringos da International
Petroleum Company. O Tenente Silva e Lituma utilizavam o táxi toda
vez que deviam fazer um trajeto longo demais para os cavalos e a
bicicleta, únicos meios de transporte do Posto da Guarda Civil. O
taxista resmungava e protestava toda vez que o chamavam, dizendo que
o faziam perder dinheiro, apesar de que, nestes casos, o Tenente
pagava a gasolina.
―
Espere, Dom Jerônimo, agora me lembro ―
disse Lituma, quando já iam tirar o morto. ― Não podemos tocar
nele até que o Juiz venha para o reconhecimento.
―
Meada: isso quer dizer que vou ter que
fazer essa viagenzinha outra vez ― pigarreou o velho. ― Mas eu já
lhe previno: o Juiz me paga a corrida ou vai procurar outro bobo.
E,
quase imediatamente, se deu uma palmadinha na testa. Abrindo muito os
olhos, aproximou a cara do cadáver.
― Mas,
claro, este eu conheço! ― exclamou.
― Quem
é?
― Um
desses aviadores que vieram para a Base Aérea na última leva ―
animou-se a expressão do velho.
― É
ele. O piuraninho que cantava boleros.
Mario
Vargas Llosa, in Quem matou Palomino Molero?
Nenhum comentário:
Postar um comentário