Há
ruídos que não se ouvem mais:
— o
grito desgarrado de uma locomotiva na madrugada
— os
apitos dos guardas-noturnos quadriculando como um mapa a cidade
adormecida
— os
barbeiros que faziam cantar no ar suas tesouras
— a
matraca do vendedor de cartuchos
— a
gaitinha do afiador de facas
— todos
esses ruídos que apenas rompiam o silêncio.
E
hoje o que mais se precisa é de silêncios que interrompam o ruído.
Mas
que se há de fazer?
Há
muitos — a grande maioria — que já nasceram no barulho. E nem
sabem, nem notam, por que suas mentes são tão atordoadas, seus
pensamentos tão confusos. Tanto que, na sua bebedeira auricular, só
conseguem entender as frases repetitivas da música Pop. E, se esta
nossa “civilização” não arrebentar, acabamos um dia perdendo a
fala — para que falar? para que pensar? — ficaremos apenas no
batuque:
“Tan!tan!tan!tan!tan!”
Mário
Quintana, in A vaca e o hipogrifo
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