Antigamente,
os escritores eram admirados apenas pelo que publicavam em livros e
revistas. Quando algum leitor gostava muito do que havia lido e
queria compartilhar com alguém, dava o livro de presente ou
emprestava o seu. O conteúdo mantinha-se preservado, assim como seu
autor. Ninguém divulgava um texto de Somerset Maugham como sendo de
Virginia Woolf, ninguém infiltrava parágrafos do Rubem Braga num
texto do Sartre, ninguém criava novos finais para os poemas de
Cecília Meireles. O escritor e sua obra eram respeitados, e os
leitores podiam confiar no que estavam consumindo.
Além
disso, artistas de cinema, músicos e esportistas eram mitos cuja
intimidade não se tinha acesso. Marilyn Monroe, Frank Sinatra e
Ayrton Senna entregavam ao público o que prometiam – sua arte –
e o resto era especulação. Mais tarde pipocavam biografias,
saciando a curiosidade do público, mas o legado desses ícones
manteve-se para sempre incorruptível: eram os donos legítimos de
sua imagem, de sua voz e de suas palavras.
Era
uma época em que aceitávamos pacificamente nossa condição de
plateia, até que se inventou o conceito de interatividade e as
ferramentas para exercê-la. Por um lado, a sociedade se
democratizou, todos passaram a ser ouvidos, diminuiu a distância
entre patrões e empregados, produtores e consumidores: as relações
ficaram mais funcionais.
Mas
o uso dessas ferramentas acabou involuindo para a maledicência e a
promiscuidade virtual. Hoje ninguém consegue mais ter controle sobre
sua imagem ou seu trabalho. Um ator de televisão diz oi para uma
amiga na rua e na manhã seguinte correm notícias de que estão de
casamento marcado. Uma cantora cancela um show porque está afônica
e logo surge o boato de que tentou suicídio. Um escritor publica um
texto no jornal e três segundos depois o mesmo texto está na
internet, atribuído a Toulouse-Lautrec, que nem escritor foi.
E
no mundano da vida acontece algo similar. Fofocas se disseminam no
Facebook, vídeos íntimos são divulgados no Youtube, fotos de
modelos vão parar em catálogos de prostituição e a credibilidade
foi para o beleléu. Ninguém mais confia totalmente no que vê ou lê
e isso pouco importa. Informações são inventadas, adulteradas,
inexatas porque, por trás das telas dos computadores, há muita
gente querendo ter seu dia de autor, mesmo que autor de uma mentira.
Sinto
nostalgia pelo tempo em que éramos seduzidos de frente, não pelas
costas. Não se sabia toda a verdade sobre nossos ídolos, mas o
mistério era justamente a melhor parte. Sentíamo-nos honrados por
sermos receptores apenas do que eles tinham de melhor, o seu talento.
Hoje não só engolimos qualquer factoide, qualquer manipulação,
como também a produzimos. A invencionice suplantou a arte.
Martha
Medeiros, in A graça da coisa
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