domingo, 27 de dezembro de 2015

Dupla falta

O belo texto do mineiro Rubem Alves sobre as diferenças entre o tênis e o frescobol (usadas como metáforas para o casamento) é tão conhecido que não seria absurdo supor que foi nele que a americana Lionel Shriver se inspirou para escrever seu recente lançamento, Dupla falta. Se não foi, é um caso de feliz coincidência, ainda que de feliz sua obra não tenha nada.
A história do livro é razoavelmente simples: o encontro amoroso de uma tenista obstinada em subir posições no ranking com um tenista de talento mediano que vê o tênis apenas como um hobby. Ambos se apaixonam, casam e a partir daí o leitor se torna espectador de um texto que funciona como um jogo de final de campeonato, com cenas de alta tensão e competitividade extrema. E, como todos sabem, tensão e competitividade combinam com amor tanto quanto cacos de vidro combinam com bebês.
Vibrar com o acerto do outro e pedir desculpas quando se erra: eis uma “relação frescobol”, em que o que interessa é manter a bola em jogo, com ambos se sentindo vencedores pelo simples fato de manterem o entendimento e a sincronia até o término da partida.
Não é o que se vê no livro.
Willy foi uma menina que aos cinco anos decidiu que seria a melhor tenista do planeta, e não fez outra coisa na vida a não ser lutar pelo seu lugar no pódio. Eric, por sua vez, cresceu fazendo de tudo um pouco, e quando resolveu se aventurar no tênis, acabou naturalmente conquistando posições que a esposa sempre almejou. Logo ele, que nunca quis nada com as raquetes. Quem esse diletante pensa que é para realizar um sonho que nunca foi dele, e sim dela?
O livro escancara traumas de infância, obsessões delirantes e a deterioração que o fracasso pode provocar em alguém que se leva a sério demais. Willy não tem um marido, e sim um adversário. E um adversário muito superior, não por ser melhor tenista que ela – não é – mas por dominar as regras do jogo da vida, que Willy nunca aprendeu.
A autora Lionel Shriver, que já tinha deixado o mundo literário de queixo caído com seu implacável Precisamos falar sobre o Kevin, mais uma vez desnuda a perversidade escondida onde menos se espera: dentro das relações mais íntimas e nobres. Os diálogos do livro são voleios ferozes, brutais. De certa forma, traduzem a sociedade atual, que exalta o sucesso como a única alternativa de existência, deixando todas as demais no limbo. Na impossibilidade de lutarmos contra nossas fraquezas, resta-nos a baixeza maior: se alegrar com a derrota alheia.
Martha Medeiros, in A graça da coisa

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