O
belo texto do mineiro Rubem Alves sobre as diferenças entre o tênis
e o frescobol (usadas como metáforas para o casamento) é tão
conhecido que não seria absurdo supor que foi nele que a americana
Lionel Shriver se inspirou para escrever seu recente lançamento,
Dupla falta. Se não foi, é um caso de feliz coincidência, ainda
que de feliz sua obra não tenha nada.
A
história do livro é razoavelmente simples: o encontro amoroso de
uma tenista obstinada em subir posições no ranking com um tenista
de talento mediano que vê o tênis apenas como um hobby. Ambos se
apaixonam, casam e a partir daí o leitor se torna espectador de um
texto que funciona como um jogo de final de campeonato, com cenas de
alta tensão e competitividade extrema. E, como todos sabem, tensão
e competitividade combinam com amor tanto quanto cacos de vidro
combinam com bebês.
Vibrar
com o acerto do outro e pedir desculpas quando se erra: eis uma
“relação frescobol”, em que o que interessa é manter a bola em
jogo, com ambos se sentindo vencedores pelo simples fato de manterem
o entendimento e a sincronia até o término da partida.
Não
é o que se vê no livro.
Willy
foi uma menina que aos cinco anos decidiu que seria a melhor tenista
do planeta, e não fez outra coisa na vida a não ser lutar pelo seu
lugar no pódio. Eric, por sua vez, cresceu fazendo de tudo um pouco,
e quando resolveu se aventurar no tênis, acabou naturalmente
conquistando posições que a esposa sempre almejou. Logo ele, que
nunca quis nada com as raquetes. Quem esse diletante pensa que é
para realizar um sonho que nunca foi dele, e sim dela?
O
livro escancara traumas de infância, obsessões delirantes e a
deterioração que o fracasso pode provocar em alguém que se leva a
sério demais. Willy não tem um marido, e sim um adversário. E um
adversário muito superior, não por ser melhor tenista que ela –
não é – mas por dominar as regras do jogo da vida, que Willy
nunca aprendeu.
A
autora Lionel Shriver, que já tinha deixado o mundo literário de
queixo caído com seu implacável Precisamos falar sobre o Kevin,
mais uma vez desnuda a perversidade escondida onde menos se espera:
dentro das relações mais íntimas e nobres. Os diálogos do livro
são voleios ferozes, brutais. De certa forma, traduzem a sociedade
atual, que exalta o sucesso como a única alternativa de existência,
deixando todas as demais no limbo. Na impossibilidade de lutarmos
contra nossas fraquezas, resta-nos a baixeza maior: se alegrar com a
derrota alheia.
Martha
Medeiros, in A graça da coisa
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