Google Imagens
Naquela
mesma hora a mãe de Gamaliel Villalpando, dona Inés, varria a rua
na frente da loja do filho, quando chegou e, pela porta entreaberta,
entrou Abundio Martínez. Encontrou Gamaliel dormindo em cima do
balcão, com o chapelão cobrindo sua cara para que as moscas não o
incomodassem. Teve de esperar um bom tempo até ele acordar. Teve de
esperar que dona Inés terminasse a labuta de varrer a rua e viesse
cutucar as costelas do filho com o cabo da vassoura e dissesse a ele:
— Tem
cliente aqui! Levanta!
Gamaliel
endireitou-se de mau humor, dando uns grunhidos. Tinha os olhos
avermelhados de tanto sono e de tanto acompanhar os bêbados,
embebedando-se com eles. Já sentado sobre o balcão, amaldiçoou a
mãe, amaldiçoou a si mesmo e amaldiçoou infinitas vezes a vida
“que valia um caralho”. Depois tomou a se acomodar com as mãos
entre as pernas e virou-se para dormir, ainda balbuciando maldições:
— Eu
não tenho culpa de a essas horas os bêbados andarem soltos.
—
Coitado do meu filho. Desculpe, Abundio.
O coitado passou a noite atendendo a uns viajantes que não queriam
saber de largar o copo. O que traz o senhor por aqui tão cedo?
Disse
tudo isso aos berros, porque Abundio era surdo.
— Pois
só um meio litro de álcool, que ando necessitado.
—
Refugio tornou a desmaiar?
— Ela
já morreu e tudo, mãe Villa. Ontem à noite, quase às onze. E
pensar que até vendi meus burros. Até isso eu vendi para conseguir
ajuda que lhe desse um alívio.
— Não
escuto o que você está dizendo! Ou você não está dizendo nada? O
que é que você diz?
— Que
passei a noite inteira velando a morta, a Refugio. Deixou de suspirar
ontem à noite.
— Com
razão senti cheiro de morto. Veja só, eu até disse a Gamaliel:
“Estou cheirando que alguém morreu no povoado.” Mas ele nem me
deu confiança; por causa dessa história de ter de compartilhar com
os viajantes, o coitado se embebedou. E você sabe que quando está
nesse estado, tudo é rir, e ele nem me dá confiança. Mas o que é
que você está me dizendo? E tem convidados para o velório?
—
Nenhum, mamãe Villa. Por isso quero o
álcool, para curar minhas penas.
— Puro?
— Sim,
mãe Villa. Para me embebedar mais depressa. E me dê agorinha que
estou apressado.
— Vou
dar mais um quarto pelo mesmo preço e por ser para você. Vai
dizendo à finadinha, enquanto isso, que eu sempre a apreciei e que
ela se lembre de mim quando chegar à glória.
— Sim,
mamãe Villa.
— Pois
diz isso a ela antes que ela acabe de esfriar.
— Vou
dizer. Eu sei que ela também conta com a senhora para que ofereça a
ela suas orações. Só de pensar que ela morreu pesarosa porque não
teve ninguém nem para auxiliá-la.
— O
que, você não foi ver o padre Rentería?
— Fui.
Mas me informaram que andava pelos montes.
— Em
qual monte?
— Pois
por esses ermos. A senhora sabe que andam na rebelião.
— Quer
dizer que ele também? Pobres de nós, Abundio.
— Essa
história não nos importa nada, mamãe Villa. Isso aí e nada para
nós dá no mesmo. Sirva mais um. Assim meio disfarçado, já que o
Gamaliel está é dormindo.
— Mas
não se esqueça de pedir à Refugio que rogue a Deus por mim, que
necessito tanto.
— Nem
se angustie. É chegar e dizer. E até vou arrancar dela a promessa
apalavrada, para o caso de ser necessário e para que a senhora deixe
de aflições.
— Isso,
é isso mesmo que você deve fazer. Porque você sabe como as
mulheres são. Assim, é preciso exigir delas que cumpram em
seguidinha o combinado.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
Nenhum comentário:
Postar um comentário