Milton
ainda não abriu a sua loja, mas o concorrente já abriu a dele; e já está
anunciando, já está vendendo, já está liquidando a preços baixo do custo.
Milton ainda está na cama, ao lado da amante, desta mulher ilegítima, que nem
bonita é, nem simpática; o concorrente já está de pé, alerta, atrás do balcão.
A esposa – fiel companheira de tantos anos – está a seu lado, alerta também.
Milton ainda não fez o desjejum (desjejum? Um cigarro, um copo de vinho, isto é
desjejum?) - o concorrente já tomou suco de laranja, já comeu ovo, torrada,
queijo, já sorveu uma grande xícara de café com leite. Já está nutrido.
Milton
ainda está nu, o concorrente já se apresenta elegantemente vestido.
Milton
mal abriu os olhos, o concorrente já leu os jornais da manhã, já está a par das
cotações da bolsa e das tendências do mercado. Milton ainda não disse uma
palavra, o concorrente já falou com clientes, com figurões da política, com o
fiscal amigo, com os fornecedores. Milton ainda está no subúrbio; o concorrente,
vencendo todos os problemas de transito, já chegou ao centro da cidade, já está
solidamente instalado no seu prédio próprio. Milton ainda não sabe se o dia é
chuvoso, ou de sol, o concorrente já está seguramente informado de que vão
subir os preços dos artigos de couro. Milton ainda não viu os filhos (sem falar
da esposa, de quem está separado); o concorrente já criou as filhas, já
formou-as em Direito e Química, já as casou, já tem netos.
Milton
ainda não começou a viver.
O concorrente já está sentindo uma dor no
peito, já está caindo sobre o balcão, já está estertorando, os olhos
arregalados – já esta morrendo, enfim.
Moacyr
Scliar, in O anão e a televisão
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