Escrevendo no automóvel.
Pedra sobre pedra: você estava pra
chegar.
Numa providência, me desapaixonei,
num risco, numa frase:
Não adiantam nem mesmo os bilhetes
profanos pela grande imprensa.
Saudades do rigor de Catarina,
impecável riscando o chão da sala.
Ancorada no carro em fogo pela
capital: sightseeing no viaduto para a Liberdade. Caio chutando
pedrinhas na calçada, damos adeus passando a mil, dirijo em círculo
pelo maior passeio público do mundo, nos perdemos – exclamo num
achado –, é tardíssimo, um deserto industrial com perigosas bocas
imperguntáveis.
Não precisa responder.
Envelopes de jasmim.
Amizade nova com o carteiro do Brasil.
Cartões postais escolhidos dedo a
dedo.
No verso: atenção, estás falando
para mim, sou eu que estou aqui, deste lado, como um marinheiro na
ponta escura do cais.
É para você que escrevo, hipócrita.
Para você – sou eu que te seguro os
ombros e grito verdades nos ouvidos, no último momento.
Me jogo aos teus pés inteiramente
grata.
Bofetada de estalo – decolagem
lancinante baque de fuzil. É só para você y que letra tán
hermosa. Pratos limpos atirados para o ar. Circo instantâneo, pano
rápido mas exato descendo sobre a tua cabeleira de um só golpe, e o
teu espanto!
Não tenho pressa.
Neste lago um vapor, neste lago.
Por enquanto não tem luz de lado
amenizando a noite; nem um abajur.
Uma sentinela: ilha de terrível sede.
Hoje não estou me dando com mulheres,
ele responde, enfurecido, e bate o telefone num tropel.
As mulheres pedem: vem cá, te trato,
faço um chá, mas nada, ele não vai mais à casa de ninguém e faz
récita sozinho, como se não fosse com ninguém.
Meu velho:
Antes te dava chás de cadeira
alternados com telefonemas de consultas: que faço com a mulher que
mente tanto e me calunia pelas costas, ou o homem que pede que eu
apenas faça sala para o seu silêncio?·
O chá abria, mas eu queria uma
quiromancia, um olho clínico, mundano, viajado, uma resposta aguda,
uma pancada no miolo. Quem sabe uma corrida por fora da tabela, meio
em zigue-zague, motorista de perícia desvairada.
Comprou carteira no Detran? E
suicidaram-se os operários de Babel. Isso foi antes. Agora
irretocâvel prefiro ficar fora, só na capa do seu livro.
Este é o jasmim.
Você de morte.
Não posso mais mentir. Corto meu
jejum com dedos de prosa ao telefone, meu próprio fanatismo em
ascensão: “O silêncio, o exílio, e a astúcia”?
Engato a quarta ao som de Revolution.
Descontinuidade. Iluminações no
calçadão
Ultimamente deu pra me turvar a vista,
Atleta não sou mais a mesma, vertigem
das alturas.
Você está errado: não é O romance
da longa vida que começa. Não foi nossa razão que deu com os
burros n'água. Nem o frio na espinha dentro do ar engarrafado no
aterro do Flamengo. Rush. Não foi a pressa. O estabanamento na
escada em espiral. O livro que falta na estante e no entanto deveria
ficar lá onde está. A amizade recente com o carteiro do Brasil, que
entra vila adentro e bate na janela e me entrega o envelope pelo
nome. Os grunhidos do ciúme. Minhas escapadas pelo grande mundo,
suas retiradas para dentro da sólida mansão. Não foi nada disso.
Então O quê?
26 de março.
Preciso começar de novo o caderno
terapêutico. Não é como o fogo do final. Um caderno terapêutico é
outra história. É deslavada. Sem luvas. Meio bruta. É um papel que
desistiu de dar recados. Uma imitação da lavanderia com suas
máquinas a seco e suas prensas a vapor. Um relatório do instituto
nacional do comércio, ríspido mas ditoso, inconfessadamente ditoso.
Nele eu sou eu e você é você mesmo. Todos nós. Digo tudo com ais
à vontade. E recolho os restos das conversas, ambulância. Trottoir
na casa. Umas tantas cismas. O terapêutico não se faz de inocente
ou de rogado. Responde e passa as chaves. Metálico, estala na boca,
sem cascata.
E de novo.
Ana Cristina Cesar, em A Teus Pés
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