(Cenário:
Madri, julho, 39 graus, fim de tarde, o calor emana do asfalto, o
protagonista tenta se recuperar de uma virose, mas a cada quatro
minutos seu corpo grita que precisa de cama, banheiro e remédio para
enjoo.)
(Pensamentos
do protagonista enquanto caminha: vou pegar o metrô. Não, não vou
dar conta. Aquilo vai chacoalhar e eu vou vomitar. Será possível
que vou ter que pagar um táxi? Um táxi até o hotel vai dar mais de
dez euros. Mas não vai ter jeito. Vou pegar um táxi.)
(Primeira
tentativa de pegar um táxi, o taxista não viu; segunda tentativa de
pegar um táxi, estava cheio; terceira tentativa de pegar um táxi, o
taxista para.)
(Dentro
do táxi: o taxista tinha seus 50 e muitos, um cabelo desgrenhado e
uma camisa inexplicável. O homem estava comendo um tipo qualquer de
salame, fatiado numa bandeja de isopor, cujo cheiro se espalhava pelo
carro, a música estava alta, parecia ser Julio Iglesias.)
(Diálogo:
buenas tardes, buenas tardes, por favor, voy a Chamartín, Avenida de
América, derecha o izquierda? 41, no sé, bámos, si necessário yo
travesso la calle, no se puede cruzar, lo bemos adelante, solo bámos
porque no me siento muy bien, bámos.)
(Tipo
de condução: aqueles motoristas que brecam de forma violenta,
arremessando os passageiros para a frente, depois arrancam de forma
violenta, fazendo com que os passageiros batam as costas no encosto
do banco e assim, sucessivamente, como se fosse uma montanha-russa.)
(Trilha
sonora: De tanto jugar con los sentimientos, viviendo de aplausos
envueltos en sueños, de tanto gritar mis canciones al viento, ya no
soy como ayer, ya no se lo que siento, ME OLVIDÉ DE VIVIR, ME OLVIDÉ
DE VIVIR, ME OLVIDÉ DE VIVIR.)
(Contexto
geral: muito calor, muito enjoo, muito cheiro de salame, condução
aos trancos, Julio Iglesias gritando que esqueceu de viver, o
protagonista suando frio, com a cabeça apoiada na janela aberta
tentando fugir do cheiro, da música, precavendo-se de um vômito
eventual.)
(Decurso
de tempo: passam-se doze minutos do mais intenso desconforto, que
pareceram cerca de quatro horas para o protagonista, que agarra-se à
porta do carro, quase como uma lagartixa fixada à parede.)
(De
tannnnnnto cantarle al amor y la vvvvvvida, me quede sin amor una
noche de un díííía, de tanto jugar con quien yo más queríaaaaaa,
perdí sin querer lo mejor que teníaaaaaa, ME OLVIDÉ DE VIVIIIIIR,
ME OLVIDÉ DE VIVIIIIIIR, ME OLVIDÉ DE VIVIIIIIIR.)
(Diálogo:
acá, acá está bien, pero estamos en 18, vas en 41, no no, está
perfecto, voy a bajar, está muy bien, son 11,80 euros, acá, 15,
perfecto, no preciso de cambio(!), gracias, gracias, hasta luego.)
(O
protagonista desce do táxi, vai cambaleando até uma mureta,
senta-se, coloca a cabeça entre as mãos, respira fundo, limpa o
suor da testa, sente uma leve brisa, sente frio, sente calor, sente
raiva, permanece na mureta por vinte minutos, depois caminha até o
41.)
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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