Escrevo
tateando letras. Experiência curiosa, pois não posso ler o que
escrevi. Portanto, não escrevo para mim.
Para
quem escrevo?
Escrevo
para quem fui. Talvez aquela que deixei um dia persista ainda, em pé
e parada e fúnebre, num desvão do tempo – numa curva, numa
encruzilhada – e de alguma forma misteriosa consiga ler as linhas
que aqui vou traçando, sem as ver.
Ludo,
querida: sou feliz agora.
Cega,
vejo melhor do que tu. Choro pela tua cegueira, pela tua infinita
estupidez. Teria sido tão fácil abrires a porta, tão fácil saíres
para a rua e abraçares a vida. Vejo-te a espreitar pelas janelas,
aterrorizada, como uma criança que se debruça sobre a cama, na
expectativa de monstros.
Monstros,
mostra-me os monstros: essas pessoas nas ruas. A minha gente.
Lamento
tanto o tanto que perdeste.
Lamento
tanto.
Mas
não é idêntica a ti a infeliz humanidade?
José
Eduardo Agualusa, in Teoria geral do
esquecimento
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