Miúdo,
graças à vigilância amarga de Emma Gadderly, do Serviço do
Bem-Estar Social, teve de ir para a escola. Do primeiro ano primário
até a formatura ginasial, recebeu notas persistentemente
“regularas”, raramente conversava em classe, teve vários
conhecidos agradáveis e nenhum amigo íntimo. No primeiro dia de
aula de ginástica, no colegial, o técnico de futebol, que tinha
aspiração a diretor do colégio local, até mesmo se ajoelhou e lhe
implorou que participasse do time. Miúdo disse que gostaria, mas
tinha que ir direto para casa depois da escola e trabalhar nas cercas
do rancho. O mesmo disse a Sally Ann Charters quando esta lhe pediu
para ir ao Baile das Solteironas. O mesmo disse a Herbie e Allan
quando o convidaram para ir a Tijuana, durante as curtas férias da
primavera, a fim de dar umas rodadas de carro e farrear nos puteiros.
O mesmo disse ao técnico de basquete e ao de corrida. O mesmo.
Contentava-se
trabalhando nas cercas. Planejava no inverno, construía na primavera
e verão, e fazia as estacas no outono, rachava sequoia, fazia o
acabamento com o machado de carpinteiro e o corta-chefe, até alguém
poder jurar, a três metros de distância, que tinham sido feitas
numa serraria. Ao terminar o ginásio, construíra cercas demarcando
todo o perímetro do rancho; passou sus anos de curso ginasial
cercando na perpendicular, reconstruindo e trabalhando em porteiras,
forjando as próprias dobradiças, gonzos e parafusos. Quando recebeu
o diploma, recomeçou, aperfeiçoando-as. Tinha numerosas ofertas,
com salários excepcionais, para construir cercas para outros (duas
ofertas vieram de longe, de Montana) mas sempre dizia:
– Puxa,
Gostaria de te ajudar, Mas tenho trabalho demais no meu próprio
lugar; e também tenho que ficar de olho no vovô.
Miúdo
e vovô Jake compartilhavam os sofrimentos que inevitavelmente
acompanham as paixões sérias. No caso do vovô, a causa da sua dor
era Emma Gadderly, pois, tendo ela descoberto eu alambique, exigiu
ação do delegado Hobson, que, fiel ao dever pacificador, fez vovô
mudá-lo de lugar. Até ela o descobrir de novo. Era um pé-no-saco
ficar mudando o alambique o tempo todo, e era cansativo tê-la se
metendo na sua vida. Assim, ele a incluía invariavelmente em suas
arengas embebidas em pragas contra o mentiroso e o venal, o
desgraçado e o corrupto, mencionando-a na repugnante companhia de
trapaceiros e bebedores de cerveja, acompanhado de uma pitada de suas
ex-mulheres.
O
problema de miúdo eram os porcos-do-mato. Com fuças cartilaginosas,
pescoços poderosos e incrível voracidade, os porcos-do-mato eram os
inimigos naturais das cercas. Gostavam de meter a fuça por baixo
delas e dilacerá-las até em cima com um prazer devasso, criando uma
passagem confortável para os seus corpos rotundos sob o arco
amassado do arame; se isso falhasse, simplesmente as arrebentavam.
Miúdo vira três casos em que eles tinham mordido até o arame. Um
desses animais, em particular, era um tormento pessoal. O
Cerra-Dente, assim conhecido porque ninguém jamais o tinha ouvido
emitir qualquer som, era uma lenda nas colinas do litoral, tanto pelo
tamanho quanto pela audácia dos estragos que fazia. Os casos –
sujeitos ao natural exagero humano – eram inúmeros, e, mesmo
reduzindo-os pela metade, ele ainda tinha arrasado todas as hortas,
do município de Humboldt aos limites de Marin, matado ovelhas em
número suficiente para manter os frigoríficos do vale em operação
por pelo menos cinco anos, virado tanta terra que fazia os tratores
explodirem de inveja, coberto tantas porcas que se enfileirassem
focinho com rabo elas se estenderiam ao longo da falha geológica de
San Andreas e ao mesmo tempo iludido os melhores caçadores do Norte
da Califórnia. Para Miúdo, ele era a a reencarnação do
sofrimento. Não somente destruíra incontáveis extensões de sua
excelente cerca como também tinha machucado Patrão de tal maneira
que este acabara morrendo. Miúdo costumava ir caçar Cerra-Dente
como parte de seu programa de manutenção das cercas, mas o animal
era silencioso e furtivo – e ficara ainda mais furtivo depois que
Miúdo fez um buraco na ponta de sua orelha esquerda com uma bala de
sete gramas calibre 243 a 200 metros de distância. Cerra-Dente
retaliou desmoronando as cercas toda vez que precisava passar para ir
a seu lodaçal predileto, na parte de trás da colina. Os conflitos
tinham sido contínuos por pelo menos dez anos, mas quando Patrão
morreu estourou a guerra. Essa era uma das razões pelas quais Miúdo
estava tão ansioso em voltar à cerca após a passagem da última
tempestade havaiana: ele tinha desmontado a parte norte para
reconstruí-la e, como isso ocorrera há quase meio mês, o
Cerra-Dente deveria estar achando que estava entregando os pontos.
Jim
Dodge, in Fup
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