Urgia
fundar o jornal. Redigi o programa, que era uma aplicação política
do Humanitismo; somente, como o Quincas Borba não houvesse ainda
publicado o livro (que aperfeiçoava de ano em ano) assentamos de lhe
não fazer nenhuma referência. O Quincas Borba exigiu apenas uma
declaração, autógrafa e reservada, de que alguns princípios novos
aplicados à política eram tirados do livro dele, ainda inédito.
Era
a fina flor dos programas; prometia curar a sociedade, destruir os
abusos, defender os sãos princípios de liberdade e conservação;
fazia um apelo ao comércio e à lavoura; citava Guizot e
Ledru-Rollin, e acabava com esta ameaça, que o Quincas Borba achou
mesquinha e local: “A nova doutrina que professamos há de
inevitavelmente derribar o atual ministério.”
Confesso
que, nas circunstâncias políticas da ocasião, o programa
pareceu-me uma obra-prima. A ameaça do fim, que o Quincas Borba
achou mesquinha, demonstrei-lhe que era saturada do mais puro
Humanitismo, e ele mesmo o confessou depois. Porquanto, o Humanitismo
não excluía nada; as guerras de Napoleão e uma contenda de cabras
eram, segundo a nossa doutrina, a mesma sublimidade, com a diferença
que os soldados de Napoleão sabiam que morriam, coisa que
aparentemente não acontece às cabras. Ora, eu não fazia mais do
que aplicar às circunstâncias a nossa fórmula filosófica:
Humanitas queria substituir Humanitas para consolação de Humanitas.
– Tu
és o meu discípulo amado, o meu califa, bradou Quincas Borba, com
uma nota de ternura, que até então lhe não ouvira. Posso dizer
como o grande Muhammed: nem que venham agora contra mim o sol e a
lua, não recuarei das minhas ideias. Crê, meu caro Brás Cubas, que
esta é a verdade eterna, anterior aos mundos, posterior aos séculos.
Machado
de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas
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