Meu
avô parou de falar no dia em que matou meu irmão, John. Seu nome
foi John até vovô dizer que ele se parecia mais com um Passarinho
pelo jeito como vivia subindo e saltando das coisas. O apelido pegou.
O cabelo grosso e preto de Passarinho era todo arrepiado, exatamente
como as penas da cabeça de um melro, dizia vovô, que apostava que
um dia meu irmão também voaria. Vovô sempre falava isso, e ninguém
tinha prestado muita atenção até o dia em que Passarinho saltou de
um penhasco, o penhasco no fim de uma pradaria de capim alto, o
penhasco com uma queda de uns bons cem metros até o leito seco do
rio, bem lá embaixo. Sua toalhinha de banho azul foi encontrada
perto de seu corpo, presa em um arbusto, a toalha que lhe servia de
asas. Desde então, vovô nunca mais falou. Nem uma palavra sequer.
No
dia em que Passarinho tentou voar, os adultos tinham saído para
procurá-lo — todos, menos mamãe e vovó. Isso porque, naquele
mesmo dia, eu nasci. E ninguém jamais me chamou por nenhum outro
nome senão Joia, embora às vezes eu quisesse ser chamada de outra
coisa. Meus pais sempre disseram que meu nome é Joia porque sou
preciosa, mas às vezes acho que é porque começa com J, assim como
John, e porque eles sentem saudade dele e não queriam me dar um nome
comum, como Jenny ou Jackie. John tinha um nome comum, e agora está
morto.
Eu
completava doze anos, e todo mundo deveria estar feliz. Só que era
difícil ficar feliz com vovô trancado no quarto o dia inteiro, como
faz todos os anos no meu aniversário. Papai e mamãe prepararam um
bolo com cobertura de baunilha e granulado colorido para mim, me
deram presentes (meias da loja de um dólar, mas muito fofas), e nós
três fomos ao cemitério visitar Passarinho e minha avó. Sempre
vejo filmes em que as crianças ganham grandes festas de aniversário,
com música, chapeuzinhos, presentes enormes e até mesmo pôneis, e
imagino que seria legal ter um aniversário assim. Especialmente com
pôneis. Pelo menos uma vez. No entanto, sempre tenho que dividir meu
dia especial com o silêncio atrás da porta fechada do vovô, com o
silêncio no cemitério e com o silêncio que pesa entre as palavras
dos meus pais.
Mamãe
e papai lavaram a louça usada para preparar meu bolo e foram para a
cama, mas eu não consegui dormir, como não conseguia todo ano no
meu aniversário. Ficava imaginando como Passarinho era, que tipo de
irmão ele teria sido e o que se passa na cabeça de meninos de cinco
anos quando se atiram de penhascos.
Então,
fiz o que costumo fazer quando não consigo dormir: vesti minha calça
jeans e uma blusa de manga comprida, passei repelente e saí de casa
escondida, sob o céu noturno salpicado de estrelas. Há um carvalho
enorme no terreno do sr. McLaren, um pouco mais à frente na estrada,
no qual eu sempre subo, o mais alto que consigo, e me reclino no
tronco morno e robusto. Fico ali, observando o arco que a lua
descreve ao percorrer o céu e ouvindo o guizalhar dos grilos, ou o
farfalhar das folhas do carvalho, ou o canto abafado de uma coruja.
Por
um momento, pensei em ir até o penhasco de onde meu irmão voara,
mas sabia que não era uma boa ideia ir lá à noite.
Crystal
Chan, in Passarinho
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