domingo, 27 de dezembro de 2015

A morte de Passarinho


Meu avô parou de falar no dia em que matou meu irmão, John. Seu nome foi John até vovô dizer que ele se parecia mais com um Passarinho pelo jeito como vivia subindo e saltando das coisas. O apelido pegou. O cabelo grosso e preto de Passarinho era todo arrepiado, exatamente como as penas da cabeça de um melro, dizia vovô, que apostava que um dia meu irmão também voaria. Vovô sempre falava isso, e ninguém tinha prestado muita atenção até o dia em que Passarinho saltou de um penhasco, o penhasco no fim de uma pradaria de capim alto, o penhasco com uma queda de uns bons cem metros até o leito seco do rio, bem lá embaixo. Sua toalhinha de banho azul foi encontrada perto de seu corpo, presa em um arbusto, a toalha que lhe servia de asas. Desde então, vovô nunca mais falou. Nem uma palavra sequer.
No dia em que Passarinho tentou voar, os adultos tinham saído para procurá-lo — todos, menos mamãe e vovó. Isso porque, naquele mesmo dia, eu nasci. E ninguém jamais me chamou por nenhum outro nome senão Joia, embora às vezes eu quisesse ser chamada de outra coisa. Meus pais sempre disseram que meu nome é Joia porque sou preciosa, mas às vezes acho que é porque começa com J, assim como John, e porque eles sentem saudade dele e não queriam me dar um nome comum, como Jenny ou Jackie. John tinha um nome comum, e agora está morto.
Eu completava doze anos, e todo mundo deveria estar feliz. Só que era difícil ficar feliz com vovô trancado no quarto o dia inteiro, como faz todos os anos no meu aniversário. Papai e mamãe prepararam um bolo com cobertura de baunilha e granulado colorido para mim, me deram presentes (meias da loja de um dólar, mas muito fofas), e nós três fomos ao cemitério visitar Passarinho e minha avó. Sempre vejo filmes em que as crianças ganham grandes festas de aniversário, com música, chapeuzinhos, presentes enormes e até mesmo pôneis, e imagino que seria legal ter um aniversário assim. Especialmente com pôneis. Pelo menos uma vez. No entanto, sempre tenho que dividir meu dia especial com o silêncio atrás da porta fechada do vovô, com o silêncio no cemitério e com o silêncio que pesa entre as palavras dos meus pais.
Mamãe e papai lavaram a louça usada para preparar meu bolo e foram para a cama, mas eu não consegui dormir, como não conseguia todo ano no meu aniversário. Ficava imaginando como Passarinho era, que tipo de irmão ele teria sido e o que se passa na cabeça de meninos de cinco anos quando se atiram de penhascos.
Então, fiz o que costumo fazer quando não consigo dormir: vesti minha calça jeans e uma blusa de manga comprida, passei repelente e saí de casa escondida, sob o céu noturno salpicado de estrelas. Há um carvalho enorme no terreno do sr. McLaren, um pouco mais à frente na estrada, no qual eu sempre subo, o mais alto que consigo, e me reclino no tronco morno e robusto. Fico ali, observando o arco que a lua descreve ao percorrer o céu e ouvindo o guizalhar dos grilos, ou o farfalhar das folhas do carvalho, ou o canto abafado de uma coruja.
Por um momento, pensei em ir até o penhasco de onde meu irmão voara, mas sabia que não era uma boa ideia ir lá à noite.
Crystal Chan, in Passarinho

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