Uso
uma máquina de escrever portátil Olympia que é leve bastante para
o meu estranho hábito: o de escrever com a máquina no colo. Corre
bem, corre suave. Ela me transmite, sem eu ter que me enredar no
emaranhado de minha letra. Por assim dizer provoca meus sentimentos e
pensamentos. E ajuda-me como uma pessoa. E não me sinto mecanizada
por usar máquina. Inclusive parece captar sutilezas. Além de que,
através dela, sai logo impresso o que escrevo, o que me torna mais
objetiva. O ruído baixo de seu teclado acompanha discretamente a
solidão de quem escreve. Eu gostaria de dar um presente a minha
máquina. Mas o que se pode dar a uma coisa que modestamente se
mantém como coisa, sem a pretensão de se tornar humana? Essa
tendência atual de elogiar as pessoas dizendo que são “muito
humanas” está-me cansando. Em geral esse “humano” está
querendo dizer “bonzinho”, “afável”, senão meloso. E é
isso tudo o que a máquina não tem. Nem sequer a vontade de se
tornar um robô sinto nela. Mantém-se na sua função, e satisfeita.
O que me dá também satisfação.
Clarice Lispector, em Todas as crônicas

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