sábado, 18 de outubro de 2025

1593 – Guarapari

Anchieta

Ignácio de Loyola aprontou o horizonte e declarou:
Ide, e incendiai o mundo!
José de Anchieta era o mais jovem dos apóstolos que trouxeram a mensagem de Cristo, a boa-nova, às selvas do Brasil. Quarenta anos depois, os índios o chamavam de caraibebé, homem com asas, e dizem que fazendo o sinal da cruz Anchieta desvia tempestades e converte um peixe em presunto e um moribundo em atleta. Coros de anjos baixam do céu para anunciar-lhe a chegada dos galeões ou os ataques dos inimigos, e Deus o eleva da terra quando reza, ajoelhado, as pregações. Raios de luz despede seu corpo magro, queimado pelo cinturão de silício, quando ele se açoita compartindo os tormentos do filho único de Deus.
Outros milagres o Brasil lhe agradecerá. Da mão deste santo esfarrapado nasceram os primeiros poemas escritos nesta terra, a primeira gramática tupi-guarani e as primeiras obras de teatro, autos sacramentais que em língua indígena transmitem o evangelho misturando personagens nativas com imperadores romanos e santos cristãos. Anchieta foi o primeiro mestre-escola e o primeiro médico do Brasil, e foi o descobridor e o cronista dos animais e plantas desta terra, em um livro que conta como muda de cores a penugem dos guarás, como desova o peixe-boi nos rios orientais e quais são os costumes do porco-espinho.
Aos sessenta anos, continua fundando cidades e levantando igrejas e hospitais; sobre os ombros ossudos carrega, junto com os índios, as vigas-mestres. Como que chamados por sua limpa e humilde luminosidade, os pássaros o procuram e o procuram as pessoas. Ele caminha léguas sem se queixar. Não aceita que o carreguem em redes, através destas comarcas onde tudo tem a cor do calor e tudo nasce e apodrece em um instante para tornar a nascer, fruta que se faz mel, água, morte, semente de novas frutas: ferve a terra, ferve o mar a fogo lento e Anchieta escreve na areia, com um pauzinho, seus versos de alabança ao Criador da vida incessante.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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