Anchieta
Ignácio de Loyola aprontou o
horizonte e declarou:
– Ide, e incendiai o mundo!
José de Anchieta era o mais jovem dos
apóstolos que trouxeram a mensagem de Cristo, a boa-nova, às selvas
do Brasil. Quarenta anos depois, os índios o chamavam de caraibebé,
homem com asas, e dizem que fazendo o sinal da cruz Anchieta desvia
tempestades e converte um peixe em presunto e um moribundo em atleta.
Coros de anjos baixam do céu para anunciar-lhe a chegada dos galeões
ou os ataques dos inimigos, e Deus o eleva da terra quando reza,
ajoelhado, as pregações. Raios de luz despede seu corpo magro,
queimado pelo cinturão de silício, quando ele se açoita
compartindo os tormentos do filho único de Deus.
Outros milagres o Brasil lhe
agradecerá. Da mão deste santo esfarrapado nasceram os primeiros
poemas escritos nesta terra, a primeira gramática tupi-guarani e as
primeiras obras de teatro, autos sacramentais que em língua indígena
transmitem o evangelho misturando personagens nativas com imperadores
romanos e santos cristãos. Anchieta foi o primeiro mestre-escola e o
primeiro médico do Brasil, e foi o descobridor e o cronista dos
animais e plantas desta terra, em um livro que conta como muda de
cores a penugem dos guarás, como desova o peixe-boi nos rios
orientais e quais são os costumes do porco-espinho.
Aos sessenta anos, continua fundando
cidades e levantando igrejas e hospitais; sobre os ombros ossudos
carrega, junto com os índios, as vigas-mestres. Como que chamados
por sua limpa e humilde luminosidade, os pássaros o procuram e o
procuram as pessoas. Ele caminha léguas sem se queixar. Não aceita
que o carreguem em redes, através destas comarcas onde tudo tem a
cor do calor e tudo nasce e apodrece em um instante para tornar a
nascer, fruta que se faz mel, água, morte, semente de novas frutas:
ferve a terra, ferve o mar a fogo lento e Anchieta escreve na areia,
com um pauzinho, seus versos de alabança ao Criador da vida
incessante.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
Nenhum comentário:
Postar um comentário