domingo, 13 de julho de 2025

Doutor Jivago


5

O nervo vivo do problema do pauperismo... — lia Nikolai Nikolaievitch no manuscrito corrigido.
Acho melhor, dizer “essencial do problema” — disse Ivan Ivanovitch, introduzindo a devida correção no manuscrito.
Eles trabalhavam na penumbra do terraço de vidro. O olho distinguia os regadores e instrumentos de jardinagem largados em desordem. No encosto da cadeira quebrada fora deixada uma capa de chuva. No canto estavam botas verde-musgo com uma sujeira seca nelas e com os canos inclinados até o chão.
Entretanto, a estatística de mortes e nascimentos demonstra... — ditava Nikolai Nikolaievitch.
Devemos incluir o ano em exercício — dizia Ivan Ivanovitch e fazia anotações.
Havia uma corrente de ar no terraço. Em cima das folhas da brochura, pedaços de granito impediam que elas voassem.
Quando eles terminaram, Nikolai Nikolaievitch apressou-se em voltar para casa.
Uma tempestade se aproxima. Preciso ir agora.
Não se atreva. Não vou deixar. Agora vamos tomar chá.
À noite tenho que estar na cidade.
Não adianta. Não quero ouvir desculpas.
Do jardim vinha o cheiro do carvão do samovar que abafava o cheiro de fumo e dos girassóis. Da casa dos fundos, traziam creme de leite, frutinhas e tortas de requeijão. De repente, ficaram sabendo que Pavel fora dar um mergulho e levara os cavalos até o rio para dar-lhes um banho. Nikolai Nikolaievitch teve de resignar-se.
Vamos até o penhasco ficar um pouco no banquinho, enquanto arrumam a mesa para o chá — propôs Ivan Ivanovitch.
Ivan Ivanovitch, por amizade, ocupava dois quartos na casa do administrador do ricaço Kologrivov. Esta casinha, com o jardim contíguo, ficava localizada na parte negra e abandonada do parque com uma velha aléia semi-arredondada na entrada. A aléia estava densamente coberta de capim. Não andavam mais por ela, somente carregavam terra e lixo até o barranco que servia de depósito de lixo seco. Homem de idéias progressistas e milionário, que simpatizava com a revolução, Kologrivov estava no exterior com a mulher. Na propriedade encontravam-se somente suas filhas, Nadia e Lipa, com a governanta e alguns empregados.
O jardinzinho da casa do administrador estava separado de todo o parque, com seus lagos e clareiras, e da casa senhorial por uma densa cerca viva de espinheiro-negro. Ivan Ivanovitch e Nikolai Nikolaievitch passavam pelo lado de fora da cerca, e à medida que caminhavam, na frente deles, em bandos iguais e em distâncias iguais, voavam os pardais, com os quais o espinheiro fervilhava. Isso o enchia de um barulho regular, parecia que diante de Ivan Ivanovitch e Nikolai Nikolaievitch, ao longo da cerca, corria água por um cano.
Eles passaram diante da estufa, do alojamento do jardineiro e de demolições de pedras para fins ignorados. Começaram a falar sobre as forças novas e jovens na ciência e literatura.
Existem pessoas com talento — dizia Nikolai Nikolaievitch —, mas agora estão muito na moda círculos e uniões. Todo espírito de rebanho é refúgio para quem não tem talento, tanto faz se isso é fidelidade a Soloviov, ou a Kant, ou a Marx. Somente os solitários procuram a verdade, e rompem com todos que gostam dela insuficientemente. Há algo no mundo que mereça fidelidade? Muito poucas coisas. Acho que deve-se ser fiel à imortalidade, este outro nome, um pouco forçado, da vida. Deve-se preservar a fidelidade à imortalidade, deve-se ser fiel a Cristo! Ah, o senhor está fazendo careta, infeliz. Não entendeu nadinha, novamente.
Eeeh — mugia Ivan Ivanovitch, agitado, loiro e magro; com a barbicha sarcástica que o fazia parecido com um americano dos tempos de Lincoln (ele constantemente a pegava com a mão e apanhava sua ponta com os lábios). — Eu, é claro, não digo nada. O senhor entende, eu olho para estas coisas de uma maneira completamente diferente. Aliás, conte-me, como deixou a batina? Há tempos queria perguntar. Ficou com medo? Foi excomungado? Hein?
Para que desviar o assunto? Mas tudo bem. Excomunhão? Hoje não amaldiçoam mais. Houve aborrecimentos, existem consequências. Por exemplo, não se pode ficar muito tempo em serviço público. Não nos deixam ir para as capitais. Mas isso são bobagens. Voltemos ao assunto da conversa. Eu disse que se deve ser fiel a Cristo. Agora vou explicar. O senhor não entende que se pode ser ateu, pode-se não saber se Deus existe e nem para quê, e ao mesmo tempo ter consciência de que o homem vive não na natureza e sim na história, e que na perspectiva atual, ela foi fundada por Cristo, o Evangelho é seu fundamento. O que é a história senão a determinação de trabalhos seculares pela ordem de descoberta da morte e sua futura superação? Para isso descobrem a infinidade matemática e as ondas eletromagnéticas, para isso compõem sinfonias. Ir em frente, nesta direção, não é possível sem entusiasmo. Para descobrir essas verdades é necessário o sustento espiritual. Os seus fundamentos estão no Evangelho. São eles: primeiro, o amor ao próximo, isto é, o estado superior da energia viva que transborda do coração do homem e exige saída e distribuição. Segundo, se tornam as partes integrantes mais importantes do homem moderno, inconcebível sem elas, mais precisamente, a ideia da personalidade livre, a ideia da vida como expiação. Leve em consideração que isso até agora é extremamente novo. Antes havia a indecência sanguínea dos calígulas cruéis, escavados pela varíola, que não desconfiavam como é medíocre qualquer escravizador. Antes havia a grandiosa eternidade morta dos monumentos de bronze e das colunas de mármore. Os séculos e as gerações respiraram aliviados somente depois de Cristo. Somente depois dele começou a vida de gerações e o homem morre não na rua, embaixo da cerca, e sim em sua história, no auge dos trabalhos consagrados à superação da morte, e quando morre, morre dedicado a este tema. Ufa, até suei! E você teima como um jumento!
Metafísica, paizinho. Isso os médicos me proibiram, o meu estômago não digere isso.
Que Deus o proteja. Deixemos disso. Felizardo! Dá gosto de ver sua aparência! Você vive e não sente.
Era doloroso olhar para o rio. Ele refletia o sol, encurvando-se para dentro e para fora, como uma chapa de metal. De repente, ele corria com pequenas ondas. Dessa margem, até a outra margem, partiu uma balsa com cavalos, carroças, mulheres e mujiques.
Imagine, ainda são cinco horas — disse Ivan Ivanovitch. — Está vendo o expresso de Sizrani? Ele passa por aqui às cinco e alguns minutos.
Ao longe, pela planície, da direita para esquerda, trafegava o trem, limpinho, amarelo-azul, menor por causa da distância. De repente eles perceberam que ele parou. Sobre o trem levantaram-se novelos brancos de vapor. Um pouco depois ouviram seus apitos aflitos.
Estranho — disse Voskoboinikov. — Há alguma coisa estranha. Ele não tem motivos para parar lá, no pântano. Algo aconteceu. Mas vamos tomar o chá.

Boris Pasternak, em Doutor Jivago

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