Fico
admirado como é que você, morando nesta cidade, consegue escrever
uma semana inteira sem reclamar, sem protestar, sem espinafrar!
E
meu amigo falou de água, telefone, Light em geral, carne, batata,
transporte, custo de vida, buracos na rua, etc., etc., etc.
Meu
amigo está, como dizem as pessoas exageradas, grávido de razões.
Mas que posso fazer? Até que tenho reclamado muito isto e aquilo.
Mas se eu for ficar rezingando todo dia, estou roubado: quem é que
vai aguentar me ler? Acho que o leitor gosta de ver suas queixas no
jornal, mas em termos.
Além
disso, a verdade não está apenas nos buracos das ruas e outras
mazelas. Não é verdade que as amendoeiras neste inverno deram um
show luxuoso de folhas vermelhas voando no ar? E ficaria demasiado
feio eu confessar que há uma jovem gostando de mim? Ah, bem sei que
esses encantamentos de moça por um senhor maduro duram pouco. São
caprichos de certa fase. Mas que importa? Esse carinho me faz bem; eu
o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão. Ele
se irá como veio, leve nuvem solta na brisa, que se tinge um
instante de púrpura sobre as cinzas de meu crepúsculo.
E
olhem só que tipo de frase estou escrevendo! Tome tenência, velho
Braga. Deixe a nuvem, olhe para o chão — e seus tradicionais
buracos.
Rio,
agosto, 1959.
Rubem Braga, em Ai de ti, Copacabana
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