Outro dia fui, à noite, a Santa
Teresa, e ontem, à tarde, visitei um amigo na Clínica São Vicente.
São raras, porém, minhas excursões pelas montanhas do Rio, por
essa outra cidade — ou melhor, por essas outras cidades que há no
Rio e dominam o Rio. Essas árvores antigas, esses muros imensos
cercando o mistério dos parques e dos casarões, tudo isso tem um
poder de beleza e de sossego.
O ar é mais fino; as coisas sonham em
um quiriri fidalgo, desdenhando os vagos ruídos que vêm lá de
baixo, da cidade. Por um instante a gente imagina viver assim, fora
de toda agitação vã, para pensar com mais sossego a vida.
Por um curto instante; e se uma
tristeza me pegar aqui, uma tristeza me bater no fim da tarde ou no
começo da madrugada? Odiarei, com certeza, essas árvores lentas, e
minha angústia recuará até o fim do século passado — as
melancolias imperiais são longas, tediosas, sufocantes, lentas.
Adoecerei, com certeza, de tédio monárquico, e me aplicarão
enormes sanguessugas negras e roxas, fecharão todas as janelas com
longos panos pretos, haverá um cheiro de vela apagada e de remoto
mofo, e receberei a extrema-unção de um padre gordo e lerdo de
imensa batina desbotada. Homens pálidos, de luto, me enterrarão em
uma cova demasiado úmida, e quando eu estiver bem defunto, no total
escuro, vestido de preto, calçado com enormes botinas pretas, minha
amada estará nadando em luz no Arpoador matinal, entre gaivotas e
espumas, quase nua.
Rubem Braga, em Ai de ti, Copacabana
Nenhum comentário:
Postar um comentário