sábado, 11 de janeiro de 2025

1554 – Lima

O alcaide e o cobrador

Daqui a pouco, os sinos da catedral anunciarão a meia-noite. E então se cumprirá um ano exato daquele estúpido episódio que obrigou dom Diego a mudar-se para Cuzco, e de Cuzco a Lima.
Dom Diego confirma pela milésima vez que estão as trancas postas e que não dormiram os que montam Barda até no teto. Ele mesmo revistou a casa canto por canto, sem esquecer nem a lenha da cozinha
Daqui a pouco oferecerá uma festa. Haverá touros e mascaradas, jogos de canas e fogos de artifício, aves assando-se nas fogueiras e barris de vinho com a torneira aberta. Dom Diego deixará Lima inteira vesga de deslumbramento. Na festa estreará sua capa de damasco e sua nova sela de veludo negro, tacheada de cravos de ouro, que tão bom jogo faz com as abas de sua casaca carmesim.
Senta-se para esperar pelos sinos. Conta as badaladas. Suspira fundo.
Um escravo ergue o candelabro e ilumina o caminho de tapetes até o dormitório. Outro escravo tira seu gibão e suas calças, estas calças que parecem luvas, e as meias brancas. Os escravos fecham a porta e se retiram para ocupar seus postos de vigilância até o amanhecer.
Dom Diego sopra as velas, afunda a cabeça no travesseiro de seda e, pela primeira vez em um ano, mergulha em um sono sem sobressaltos.
Muito depois, começa a mover-se a armadura que enfeita um canto do dormitório. Espada em punho, a armadura avança na escuridão, muito lentamente, até a cama.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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