O
alcaide e o cobrador
Daqui
a pouco, os sinos da catedral anunciarão a meia-noite. E então se
cumprirá um ano exato daquele estúpido episódio que obrigou dom
Diego a mudar-se para Cuzco, e de Cuzco a Lima.
Dom
Diego confirma pela milésima vez que estão as trancas postas e que
não dormiram os que montam Barda até no teto. Ele mesmo revistou a
casa canto por canto, sem esquecer nem a lenha da cozinha
Daqui
a pouco oferecerá uma festa. Haverá touros e mascaradas, jogos de
canas e fogos de artifício, aves assando-se nas fogueiras e barris
de vinho com a torneira aberta. Dom Diego deixará Lima inteira vesga
de deslumbramento. Na festa estreará sua capa de damasco e sua nova
sela de veludo negro, tacheada de cravos de ouro, que tão bom jogo
faz com as abas de sua casaca carmesim.
Senta-se
para esperar pelos sinos. Conta as badaladas. Suspira fundo.
Um
escravo ergue o candelabro e ilumina o caminho de tapetes até o
dormitório. Outro escravo tira seu gibão e suas calças, estas
calças que parecem luvas, e as meias brancas. Os escravos fecham a
porta e se retiram para ocupar seus postos de vigilância até o
amanhecer.
Dom
Diego sopra as velas, afunda a cabeça no travesseiro de seda e, pela
primeira vez em um ano, mergulha em um sono sem sobressaltos.
Muito
depois, começa a mover-se a armadura que enfeita um canto do
dormitório. Espada em punho, a armadura avança na escuridão, muito
lentamente, até a cama.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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