Eu
quero inventar uma coisa, uma coisa viva, uma coisa
que
se desprenda de mim e se mova pelo resto do mundo
com
pernas que ela terá de crescer de si própria;
e
que seja ela uma máquina viva, uma máquina
capaz
de decidir e de duvidar, capaz de se enganar e de mentir.
Uma
coisa que não existe. Uma coisa pela primeira vez.
Uma
máquina bastarda feita de dobradiças e enzimas
e
metonímias e quarks e transistores e estames
e
plasma e fotogramas e roupas e sopa primordial…
Quero
apenas que seja uma coisa minha, uma coisa
que
eu inventei numa madrugada enquanto vocês dormiam
e
quando a vi recuei, e quando a soube pronta duvidei,
e
vi a eletricidade do relâmpago abrindo seus olhos
e
martelei seu joelho temendo-a, e mandando-a falar,
e
gritei: “Levanta-te e anda!”- e a coisa era uma galáxia
tremeluzindo
no centro da folha branca, me olhando
com
meus olhos de homem, me sorrindo
com
tantas bocas de mulher, me envolvendo
com
sua sintaxe de coisa nova que força o mundo a mover-se,
fincando
uma cunha no Real e se instalando naquela fenda,
como
um setor a mais invadido um círculo já completo.
Eu
quero que essa coisa existisse, assim como
eu
quis que eu seja. Quero vê-la brotar desarrumando.
Coisa
criada, cobra criante, serpente criança,
criatura
sentiente, existente, sente, pensante,
cercada
pela linha brusca do seu até-aqui
Essa
coisa me conhecerá e não me reconhecerá
como
seu Criador. Essa coisa terá poder de me destruir,
e
de me recompor, e me mandar pedir-lhe a bênção.
Então
pedirei. Sairei pelo mundo. Com minhas próprias pernas.
Finalmente
leve e livre, tendo parido algo maior do que eu mesmo,
e
disposto a me abraçar ao mundo, como quem desce do ônibus
na
rodoviária da cidade onde nasceu. Mas o mundo!
O
que é esse mundo onde eu ando agora? Olha a cor das casas,
o
rosto do povo, o som da fala, a manchete dos jornais, o cheiro
do
vento… que mundo é esse para onde retornarei depois de livre?
Fico
parado, o coração pulando, e só daqui a pouco perceberei,
com
uma surpresa antiga — que aquilo não é mais meu mundo:
e
o mundo da coisa, é o mundo da minha Coisa.
Bráulio Tavares, em Antologia sonora – Poesia paraibana contemporânea
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