Em
1972, após uma escalada de sucesso no Brasil e no exterior, que teve
como pontos máximos a conquista, em 1964, do Grammy de Canção do
Ano com “Garota de Ipanema” e, em 1967, um disco em dupla com
Frank Sinatra, Tom Jobim não vivia uma boa fase. Estava com 45 anos,
queixava-se que a bossa nova tinha acabado, que ninguém gravava mais
suas músicas, que as rádios não as tocavam no Brasil. Mágoas que
tentava afogar na bebida, como contou tempos depois: “Parecia que
tudo havia acabado para mim, que eu não tinha mais nada a fazer. O
médico disse que eu ia morrer de cirrose.”
Foi
nessa época, durante uma temporada no seu sítio Poço Fundo, na
região serrana do Rio de Janeiro, área de difícil acesso, no meio
da natureza selvagem, sem qualquer contato com a civilização, que
nasceu “Águas de março”. Tom vinha trabalhando em outra música,
“Matita Perê”, quando surgiram os primeiros acordes ao violão e
os primeiros versos. Ficou tão entusiasmado que acordou a família
para mostrar uma primeira versão da música, rabiscada num papel de
pão. De volta ao Rio, completou-a numa tarde e saiu eufórico para o
bar Antonio’s, no Leblon, onde se reuniam muitos de seus amigos.
Todos tiveram certeza de que estavam conhecendo um clássico
instantâneo.
Gravada
pelo próprio Tom, “Águas de março” foi lançada em maio de
1972 num compacto que apresentava do lado B “Agnus Sei”, a música
de estreia de João Bosco com letra de Aldir Blanc. As duas canções
também inauguravam a série Disco de Bolso, vendida nas bancas de
jornais, criada pelo semanário de humor e política O Pasquim,
que fazia enorme sucesso na época.
Entre
o otimismo e o pessimismo, com imagens ligadas à natureza e à
trajetória da vida, os versos fragmentados de “Águas de março”
têm sonoridade, ritmo e cadência notáveis, bem como perfeita
integração com a melodia, garantindo a Tom Jobim um lugar entre os
nossos maiores letristas, além do músico soberano que sempre foi.
Naquele
mesmo ano, João Gilberto fez uma versão impecável, enquanto o
compositor regravou-a, em Nova York, para o LP Matita Perê
(1973). Em 1974, foi a vez do registro de maior sucesso, um dueto de
Elis Regina e Tom, com arranjo de César Camargo Mariano e produção
de Aloysio de Oliveira realizada em Los Angeles. “Águas de março”
foi o destaque de Elis & Tom, o disco de comemoração de
seus dez anos na gravadora Philips.
O
próprio Tom tratou de verter a letra para o inglês. Já com pleno
domínio da língua de Shakespeare, e horrorizado por algumas versões
precárias de outros sucessos da bossa nova, ele foi fiel às imagens
originais e ainda se deu ao luxo de evitar palavras de raiz latina,
privilegiando as anglo-saxônicas. Grandes intérpretes do pop e do
jazz, como Al Jarreau, Ella Fitzgerald, Dionne Warwick e Frank
Sinatra, também se banharam nas “Waters of March”.
Na
década de 1980, a música foi tema de uma grande campanha mundial da
Coca-Cola, num arranjo pop de grande sucesso popular, tornando-se uma
das canções mais tocadas do planeta. Aplaudido internacionalmente,
em sua terra Tom foi vítima permanente das críticas e
ressentimentos mais ferozes, acusado de mercenário e vendido aos
americanos, que o levaram a concluir que “no Brasil, sucesso é
ofensa pessoal”.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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