Dá
licença, cavalheiro? Permite que eu roube dois minutos de sua
preciosa atenção? É assunto de interesse geral, esteja certo. Do
contrário, não seria eu que viria importuná-lo. Sou muito
respeitador do tempo dos outros, lá isto sou. Negócio seguinte.
Quer colaborar comigo na pesquisa sociocultural sobre o dia do
morador da Guanabara, no tocante à mobilidade? Não se molesta se eu
lhe fizer umas perguntinhas ligeiras? Vai responder direitinho, pois
não? Ótimo. Bem, a que horas o amigo habitualmente sai de casa?
Todos os dias úteis? Ah, depende da noite anterior? Compreendo, mas
sai almoçado ou almoça na cidade? Tem carro, é claro? Onde é a
garagem? Quantos minutos até lá, para pegá-lo? Se ele está na
oficina, vai de táxi, é lógico? Sempre o mesmo, já combinado, ou
qualquer um que passe na esquina? E qual o itinerário, se não é
indiscrição? Sozinho? Então dá carona aos amigos? E, se não for
indagar demais: a moças conhecidas ou desconhecidas? Como? Onde
costuma acontecer isso? Uma garota só, mais de uma, como é? Costuma
desviar o rumo para ser gentil? Compreendo, compreendo. Quanto tempo
leva no percurso normal? E no anormal, o máximo até agora qual foi?
Na cidade, onde estaciona? Só a três quilômetros de distância do
escritório? Em que rua fica esse edifício? Barão de quê? Das
Calças Largas? E o andar, qual é? Os elevadores enguiçam muito? O
quê? já subiu a pé vinte andares? E depois foi atendido onde: no
Sousa Aguiar ou no Prontocor? Trabalha firme até a hora do almoço?
E a que hora é o almoço? Desce para almoçar? O restaurante fica
onde? Sempre o mesmo, ou gosta de variar? Sozinho, é? Ah, sim, mas
sempre com a mesma pessoa? Como? Varia? Claro, claro. Depois do
almoço dá uma voltinha? A que hora está de novo no trabalho? E seu
lanche, quando é? Lá em cima mesmo? Quanto tempo leva isso? Costuma
descer outras vezes, durante a jornada de trabalho? Para fazer o quê,
hem? Sozinho? Mas lojas de que ruas? Demora muito? E o banco, onde é?
Outros escritórios também? No mesmo perímetro, é? Pode
cronometrar essas atividades externas? Digamos, aproximadamente?
Nesses casos, o senhor ainda volta ao escritório, ou? Há outras
interrupções de ritmo, que obriguem deslocamento de sua pessoa?
Outras, sei lá? O senhor é que deve saber. Fecha a que hora, meu
amigo? Sempre, sempre? Mesmo em ocasião de balanço? Balanço no
sentido verdadeiro, essa é boazinha, não? Resumindo, acabado o
serviço vai direto ao carro, provavelmente? Já sei, passa talvez no
bar? Onde fica isso? É bacana? Sozinho, desta vez? Mas é questão
de muito tempo? De lá segue para onde, meu caro? Não ouvi bem, faz
o obséquio de repetir? Coisa de meia, uma hora no máximo? Como? Nem
perto nem longe? Então é prático, hem? Mas de lá até o
estacionamento, quantos minutos? Ah, já estava no carro? Não
entendi nada. Será que temos de refazer esta parte do roteiro, para
ficar mais claro? Acha que não precisa? Tá bom, deixa. E após,
como dizem os puristas? Direto pra casa, adivinhei? Aproveita para
passar no posto de gasolina, é? A que altura? Mas então, a que hora
consegue chegar em casa, se é que chega? Digamos, o mais tardar?
Guardou o carro em que fração de tempo? O jantar é servido sempre
à mesma hora? Qual? Depois, vê televisão com a família, ou sai
para um cineminha? Acompanhado? É no bairro, ou vai aonde tiver um
bom lançamento por aí? No que tiver menos pulga? Boa, essa. E onde
é que tem menos? eu também quero ir lá. No seu carro, num de
praça, ou no de um amigo? Duas, três vezes por mês ou por semana?
Só? E boate? A mesma sempre, ou estica em outras? Em que ruas? Qual
o tempo de permanência habitual? E quantas vezes por mês,
felizardo? Será que me esqueci de algum detalhe, alguma faixa do seu
dia que… Não pode me ajudar, lembrando? Vamos, lembre, lembre, é
tão simples. Bem, agora o seu fim de semana. Quais os movimentos do
meu amigo, a partir do instante em que põe o pé na rua, no sábado?
Falta pouco para terminar, mas que é isso? Está se sentindo mal?
Aborrecido comigo? Porventura acha que fui indiscreto, eu que tive o
maior cuidado em não devassar o que quer que fosse de sua vida
particular, dos refolhos de sua privacy? Não, isso não,
espere lá, não precisa me dar bolacha, eu saio imediatamente, até
logo, socorro, socorro!
Carlos Drummond de Andrade, in De Notícias e Não Notícias Faz-se A Crônica
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