O
rei Nabucodonosor, castigado por Deus, e conforme o predito por voz
misteriosa, começou a alimentar-se de feno, como os bois. Isto não
é novidade, e consta dos livros santos. Estes, contudo, omitiram
pormenor transmitido por velho pedreiro de Babilônia a seus filhos
e, de geração a geração, chegado oralmente aos dias de hoje.
A
princípio o feno tinha gosto de mel e muito aprazia ao paladar do
monarca. Assim como assim, era punição leve, e podia considerar-se
gentileza do Altíssimo. Nabucodonosor não se queixava, até mesmo
lambia os beiços. Mas depois o feno foi perdendo a doçura e
recuperando sua natureza. Era feno mesmo. O rei decaído
surpreendeu-se um dia emitindo mugidos de vaca.
Os
doutores babilônicos reunidos para analisar o fenômeno dividiram-se
em dois grupos. Este entendia que algum anjo complacente, encarregado
de cumprir a ordem divina, operara a transmutação de gosto, mas,
roído de escrúpulos, acabara por executá-la à risca. O outro
opinou que a ordem era aquela mesma, e pretendia iludir o rei por
algum tempo, para tornar mais rude a sentença. Houve empate na
votação.
Nabucodonosor
terminou assumindo forma bovina. Completamente.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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