Essas
bizantinices e complicações estão a pedir um golpe de Estado. Por
causa delas é que alguns estudantes acham “difícil” o
português, isto é, a língua em que eles, com toda a facilidade,
acabam de me fazer essa estranha confissão. Mas se o português é
tão difícil assim, retruco-lhes, como é que vocês o estão
falando? Aí eles arregalam os olhos, como se tivessem descoberto a
pólvora.
Embora
não tão assustadoramente como hoje, também no meu tempo o
português era “difícil” — uma espécie de casuística, e por
isso mesmo pervertia a alma e o gosto, como acontecia aos que
costumavam então assistir aos debates no júri; tanto assim que li
com supremo gozo a Réplica de Rui Barbosa e, até os
dezessete anos, procurei como um louco, mas em vão, a Tréplica
de Carneiro Ribeiro...
Por
essas e outras coisas, confesso que aprendi a gramática francesa com
mais facilidade do que a gramática da minha língua. É que a
gramática francesa não tinha gramatiquices. Era pão pão, queijo
queijo. Agora que infelizmente não mais se aprende nem se lê
francês, aqueles mesmos estudantes acham que o inglês, este sim, é
uma língua fácil. Pudera não! Como está tão codificado como o
francês, o inglês não dá ensejo a hesitações. Não se extravia
perplexo, entre a Virtude e o Pecado, quero dizer, entre “o certo”
e “o errado”. O inglês não tem casos de consciência.
Diante
disto, o golpe de Estado que prego e preconizo é a decretação de
uma Gramática Oficial.
Ora,
direis, mas os gramáticos...? Ah, sim, os gramáticos! Mas desde que
façam voto de simplicidade e portanto de clareza. E elaborem em
conjunto um manual básico, acessível a todos, nada mais que com as
regras essenciais da nossa língua — essas poucas mas sagradas
regras cuja transgressão é verdadeiramente um ato subversivo.
Mário
Quintana, in A vaca e o hipogrifo
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