sábado, 7 de julho de 2018

Fontes de intolerância

A intolerância que se espalhou pelo mundo com o advento do cristianismo é um de seus aspectos mais curiosos, devido, penso, à crença judaica na verdade e na realidade exclusiva do Deus judaico. Por que os judeus tinham essas peculiaridades, isso eu não sei. Parecem ter-se desenvolvido durante o período em que passaram presos, como uma reação contra a tentativa de tentar absorver os judeus em populações estrangeiras. Seja lá por que for, os judeus, e mais especificamente os profetas, inventaram a ênfase na virtude pessoal e a ideia de que é demoníaco tolerar qualquer religião, à exceção de uma. Essas duas ideias tiveram um efeito extraordinariamente desastroso sobre a história ocidental. A Igreja chamou muita atenção para a perseguição de cristãos no Estado romano antes da época de Constantino. Essa perseguição, no entanto, foi leve e intermitente e absolutamente política. Em qualquer época, do tempo de Constantino até o final do século VII, os cristãos foram perseguidos com muito mais afã por outros cristãos do que jamais o foram pelos imperadores romanos. Antes do surgimento do cristianismo, essa atitude de perseguição era desconhecida no mundo antigo, à exceção do que acontecia entre os judeus. Ao ler, por exemplo, Heródoto, encontrar-se-á um relato ameno e tolerante a respeito dos hábitos das nações estrangeiras que ele visitava. Às vezes, é verdade, algum costume peculiarmente bárbaro poderia chocá-lo, mas, de maneira geral, ele é amável para com os deuses e os costumes estrangeiros. Ele não se mostra ansioso para provar que as pessoas que chamam Zeus por algum outro nome sofrerão castigo eterno e devem ser mortas para que seu suplício comece o mais rápido possível. Esta atitude foi reservada aos cristãos. É verdade que o cristão moderno é menos robusto, mas isso não se deve ao cristianismo; deve-se a gerações de livres-pensadores que, desde o Renascimento até os dias de hoje, fizeram com que os cristãos se envergonhassem de muitas de suas crenças tradicionais. É divertido ouvir o cristão moderno falando de como o cristianismo na verdade é brando e racional, ignorando o fato de que toda essa brandura e esse racionalismo se devem aos ensinamentos de homens que, em sua própria época, foram perseguidos por todos os cristãos ortodoxos. Ninguém hoje acredita que o mundo foi criado no ano 4004 a.C.; mas não faz muito tempo o ceticismo em relação a esse dado era considerado crime abominável. Meu trisavô, depois de observar a profundidade da lava nas encostas do monte Etna, chegou à conclusão de que o mundo devia ser mais antigo do que os ortodoxos supunham e publicou tal opinião em um livro. Devido a essa ofensa, ele foi expurgado por seu condado e afastado da sociedade. Se ele fosse um homem de condições mais humildes, sua punição sem dúvida teria sido mais severa. Não configura nenhum crédito para os ortodoxos o fato de já não acreditarem em todos os absurdos em que acreditavam há 150 anos. A emasculação gradual da doutrina cristã tem se efetivado apesar da resistência mais rigorosa, e unicamente como resultado das atrocidades cometidas pelos livres-pensadores.
Bertrand Russell, in Por que não sou cristão

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