A intolerância que
se espalhou pelo mundo com o advento do cristianismo é um de seus
aspectos mais curiosos, devido, penso, à crença judaica na verdade
e na realidade exclusiva do Deus judaico. Por que os judeus tinham
essas peculiaridades, isso eu não sei. Parecem ter-se desenvolvido
durante o período em que passaram presos, como uma reação contra a
tentativa de tentar absorver os judeus em populações estrangeiras.
Seja lá por que for, os judeus, e mais especificamente os profetas,
inventaram a ênfase na virtude pessoal e a ideia de que é demoníaco
tolerar qualquer religião, à exceção de uma. Essas duas ideias
tiveram um efeito extraordinariamente desastroso sobre a história
ocidental. A Igreja chamou muita atenção para a perseguição de
cristãos no Estado romano antes da época de Constantino. Essa
perseguição, no entanto, foi leve e intermitente e absolutamente
política. Em qualquer época, do tempo de Constantino até o final
do século VII, os cristãos foram perseguidos com muito mais afã
por outros cristãos do que jamais o foram pelos imperadores romanos.
Antes do surgimento do cristianismo, essa atitude de perseguição
era desconhecida no mundo antigo, à exceção do que acontecia entre
os judeus. Ao ler, por exemplo, Heródoto, encontrar-se-á um relato
ameno e tolerante a respeito dos hábitos das nações estrangeiras
que ele visitava. Às vezes, é verdade, algum costume peculiarmente
bárbaro poderia chocá-lo, mas, de maneira geral, ele é amável
para com os deuses e os costumes estrangeiros. Ele não se mostra
ansioso para provar que as pessoas que chamam Zeus por algum outro
nome sofrerão castigo eterno e devem ser mortas para que seu
suplício comece o mais rápido possível. Esta atitude foi reservada
aos cristãos. É verdade que o cristão moderno é menos robusto,
mas isso não se deve ao cristianismo; deve-se a gerações de
livres-pensadores que, desde o Renascimento até os dias de hoje,
fizeram com que os cristãos se envergonhassem de muitas de suas
crenças tradicionais. É divertido ouvir o cristão moderno falando
de como o cristianismo na verdade é brando e racional, ignorando o
fato de que toda essa brandura e esse racionalismo se devem aos
ensinamentos de homens que, em sua própria época, foram perseguidos
por todos os cristãos ortodoxos. Ninguém hoje acredita que o mundo
foi criado no ano 4004 a.C.; mas não faz muito tempo o ceticismo em
relação a esse dado era considerado crime abominável. Meu trisavô,
depois de observar a profundidade da lava nas encostas do monte Etna,
chegou à conclusão de que o mundo devia ser mais antigo do que os
ortodoxos supunham e publicou tal opinião em um livro. Devido a essa
ofensa, ele foi expurgado por seu condado e afastado da sociedade. Se
ele fosse um homem de condições mais humildes, sua punição sem
dúvida teria sido mais severa. Não configura nenhum crédito para
os ortodoxos o fato de já não acreditarem em todos os absurdos em
que acreditavam há 150 anos. A emasculação gradual da doutrina
cristã tem se efetivado apesar da resistência mais rigorosa, e
unicamente como resultado das atrocidades cometidas pelos
livres-pensadores.
Bertrand
Russell, in Por que não sou cristão
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