Fonte: Google Imagens
Sociedades
se constroem quando os homens concordam sobre coisas grandes. A
amizade acontece quando os homens concordam sobre coisas pequenas.
Faz tempo escrevi um artigo longo sobre um tema que esqueci. O dito
artigo levou um dos meus leitores do sul de Minas a escrever-me uma
carta. Escreveu-me não para comentar o artigo – irrelevante –,
mas para dizer que ficara comovido porque, num certo lugar, eu falara
sobre “o cheiro bom do capim-gordura”. A partir dessa imagem, a
um tempo visual e nasal – pois havia a visão do campo de
capim-gordura e o cheiro do capim-gordura –, ele se pôs a
descrever sua experiência diária: passava, de manhãzinha, sol
ainda não nascido, por um campo coberto de capim-gordura. “O
silêncio verde dos campos...” E havia a névoa misteriosa que tudo
envolvia. De vez em quando, o barulhinho de algum regato que corria
invisível, coberto pela vegetação. E, saindo dele, como se fosse
sua respiração, seu mais profundo segredo, o perfume. Mistério.
Mistério, essa palavra misteriosa. Em inglês, a palavra mistério
se escreve “mystery”. Pois um dia, por inspiração imediata,
passei a escrevê-la de uma forma diferente: misteerie. “Mist”
é neblina. E “eerie” quer dizer assombroso, que provoca medo.
Acho que minha grafia, inspirada na poesia, é melhor que a grafia do
dicionário, derivada da etimologia. Essa é a minha contribuição
para a língua inglesa. É isso que se sente de manhãzinha, sozinho,
ao caminhar pelos campos de capim-gordura. Não há igreja, templo ou
santuário que se lhe compare. Essas caixas de tijolo e cimento que
os empresários da religião constroem para engaiolar o sagrado, na
maior parte das vezes provocam-me o sentimento oposto, de horror
estético. Deus deve ter muito mau gosto... Pois é: quando li aquela
carta imediatamente me descobri amigo daquele homem distante. Se não
me equivoco, o seu nome era Gerson e vive em Poços de Caldas. Sempre
que vejo capim-gordura me lembro dele. De todo o palavrório que
escrevi naquele artigo, o que sobrou, o que valeu, foi uma imagem
imobilizada num momento eterno: o capim-gordura, com o seu cheiro
bom...
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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