— Não
está me conhecendo? Sou a Luzia. Em casa todos bem?
— Oh,
Luzia, desculpe. Ando com a vista meio fraca. Mas você está um
bocado alinhada, criatura!
— O
senhor acha? Bondade sua.
— Acho,
não. É fato. Você se casou, Luzia?
— Que
nada, doutor. Casamento é pra quem pode, quem sou eu?
— Você
estava noiva quando saiu lá de casa.
—
Estava sim, mas o senhor quer que eu seja
franca? Não gostava dele, queria só casar, pra dar gosto à minha
tia, que me criou. Aí eu pensei assim: Não tenho amor a este
camarada, depois do casamento faço a infelicidade dele, não é
direito. Até que meu noivo era legal, tinha uma alfaiataria em
Niterói, carro na praça. Não fiz bem?
— Você
foi muito correta, Luzia.
— Pois
é. Mas depois me desiludi dos homens, sabe? Me desiludi
completamente.
— Tão
cedo!
— Tenho
dezoito anos por fora, por dentro já perdi a conta. Veja só; fui
ser cem por cento com o meu noivo, e quando arranjei outro namorado,
não dei sorte.
—
Também não gostou dele?
—
Gostei demais, aí é que está. Foi o
meu erro. Aí ele me disse que era casado, não podia remediar nada.
— Sendo
assim…
—
Mentira dele, doutor. Minha prima gostou
de um cara que não usava aliança, quando foi ver ele tinha
obrigação em casa, com cinco bocas. O meu não, se fez de pai de
família pra não casar.
— É
pena, Luzia. Mas não fique triste, há tanto marido ordinário nesse
mundo, quem sabe se você não escapou de um!
— Ah,
mas agora sou eu que não penso em casamento. Tenho mais que fazer.
— E
que é que você faz?
— Pois
o senhor não sabe? Quando saí de sua casa, resolvi acabar com o
serviço de copeira. Empregada doméstica não resolve. Fiz o curso
na escola de manicura, tirei certificado e fui trabalhar num salão
de mulheres. Não dava pra pagar o quarto. O porteiro de uma boate
olhou pra mim e disse: “Broto, não faz unha de mulher, que é
fominha, faz unha de homem”. Mudei de salão, desta vez dei sorte.
—
Ótimo, Luzia.
—
Graças a Deus nunca mais andei sem
dinheiro, o senhor acredita? O patrão só me paga no fim do mês,
mas os fregueses dão boas gorjetas, de maneiras que tenho sempre
algum na bolsa. Agora estou menos folgada, porque tive de comprar
móveis, o apartamento estava tão vazio!
— Que
apartamento, Luzia?
— O
que eu aluguei. Um freguês se ofereceu pra prestar fiança, dizem
que isso é difícil.
— Não
é difícil, é um sonho. E você se queixa dos homens?
— Quer
dizer: de todos, não. Comprei os móveis no crediário e agora vou
comprar uma radiovitrola. Quando acabar o pagamento compro a
geladeira.
—
Parabéns, minha filha, você venceu.
— Ah,
doutor, não diga isso. Estou só começando. Quando quiser, apareça
lá em casa que me dará muito prazer. Casa de pobre, mas tem uísque
pros amigos. Recomendações à madame, um beijo pros netinhos!
E
seguiu — o alegre estampado, a saia curta, as pernas longas e bem
esculpidas, o bico fino dos sapatos, o sorriso de dentes alvos no
belo moreno carregado do rosto.
Carlos
Drummond de Andrade, in 70 historinhas
Nenhum comentário:
Postar um comentário