X
1.
Supõe, porém, que a sua vida se tornou cheia de problemas e que,
sem saber o que estava fazendo, caiu em alguma armadilha que a
Fortuna pública ou privada lhe armou, e que não pode desamarrá-la
nem quebrá-la: então, lembre-se de que os homens presos sofrem
muito, a princípio, por causa dos fardos e das obstruções nas
pernas: depois, quando se decidem a não se preocupar com elas, mas a
suportá-las, a necessidade os ensina a suportá-las com bravura e o
hábito em suportá-las com facilidade. Em cada estação da vida
você encontrará diversões, relaxamentos e prazeres; isto é, desde
que esteja disposto a fazer dos males mais leves ao invés de
odiosos.
2.
Sabendo a que tristezas nascemos, nada há pelo qual a Natureza mais
mereça nosso agradecimento do que ter inventado o hábito como
alívio do infortúnio, o qual logo nos acostuma aos mais severos
males. Ninguém poderia resistir ao infortúnio se exercessem
permanentemente a mesma força que no início.
3.
Estamos todos acorrentados à Fortuna: a corrente de alguns homens é
frouxa e feita de ouro, a de outros é apertada e de metal mais
mesquinho: mas que diferença isso faz? Estamos todos incluídos no
mesmo cativeiro, e mesmo aqueles que nos amarraram estão amarrados a
si mesmos, a menos que você pense que uma corrente do lado esquerdo
é mais leve de suportar: um homem pode estar amarrado por um cargo
público, outro pela riqueza: alguns têm de suportar o peso da
nobreza, alguns de um nascimento humilde: alguns estão sujeitos às
ordens de outros, alguns apenas às suas próprias: alguns são
mantidos em um lugar, sendo banidos para lá, outros, sendo eleitos
para o sacerdócio. Toda vida é escravidão:
4.
Que cada homem se reconcilie com a sua sorte, reclame dela o mínimo
possível, e se agarre a qualquer bem que esteja ao seu alcance.
Nenhuma condição pode ser tão miserável que uma alma imparcial
não possa encontrar nela compensações. […]
Sêneca, em Sobre a Tranquilidade da Alma
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