domingo, 15 de dezembro de 2024

A leste do Éden | 6


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Depois que Adam entrou para o Exército e Cyrus se mudou para Washington, Charles passou a viver sozinho na fazenda. Alardeava que ia arranjar uma esposa, mas não recorria ao costumeiro processo de conhecer garotas, levá-las a bailes, verificar suas virtudes, ou a ausência delas, e finalmente deslizar docilmente para o casamento. A verdade da história é que Charles tinha uma timidez abissal diante de garotas. E como a maioria dos homens acanhados, satisfazia suas necessidades normais no anonimato da prostituta. Existe uma grande segurança para um homem tímido junto a uma prostituta. Tendo sido paga, e adiantadamente, ela se tornava uma mercadoria, e um homem tímido pode ser alegre ou até mesmo brutal com ela. Também, não há nada do horror da possível rejeição que mexe com as entranhas dos homens tímidos.
O arranjo era simples e relativamente secreto. O proprietário da estalagem mantinha três quartos no andar superior destinados a ocupação provisória e que ele alugava para garotas por períodos de duas semanas. No final das duas semanas, um novo grupo de garotas entrava em cena. O sr. Hallam, o estalajadeiro, não participava do arranjo. Podia quase dizer sem mentir que nada sabia a respeito. Simplesmente cobrava cinco vezes mais que o preço normal por seus três quartos. As garotas eram escolhidas, alcovitadas, remanejadas, disciplinadas e roubadas por um cafetão chamado Edwards, que morava em Boston. Suas meninas percorriam um lento circuito entre as cidadezinhas e nunca ficavam mais do que duas semanas na mesma localidade. Era um sistema extremamente funcional. Uma garota não ficava na cidade tempo suficiente para ser notada pelos cidadãos ou pelo xerife. Passavam a maior parte do tempo no seu quarto e evitavam locais públicos. Eram proibidas, sob pena de levarem uma surra, de beber, fazer arruaça ou se apaixonar por alguém. As refeições eram servidas em seus quartos e os clientes cuidadosamente selecionados. Nenhum bêbado tinha permissão para subir aos seus quartos. De seis em seis meses cada garota ganhava um mês de férias para se embriagar e se divertir à vontade. No trabalho, bastava uma garota desobedecer às regras que o sr. Edwards em pessoa a deixava nua, amordaçava e açoitava com um chicote de cavalo até quase a matar. Se a faltosa reincidisse, acabava na cadeia, acusada de vadiagem e prostituição pública.
As temporadas de duas semanas tinham outra vantagem. Muitas das garotas estavam doentes, e uma garota quase sempre já tinha deixado a cidade quando o seu mimo incubado finalmente aparecia num cliente. Não havia em quem descarregar a raiva. O sr. Hallam nada sabia e o sr. Edwards nunca aparecia publicamente em seu escritório comercial. Sabia muito bem como tocar o seu circuito. As garotas eram todas muito parecidas — grandes, saudáveis, preguiçosas e burras. Um homem mal podia dizer que houvera uma mudança. Charles Trask se habituou a frequentar a estalagem pelo menos uma vez a cada duas semanas, esgueirar-se até o andar superior, resolver rapidamente o que tinha a fazer, e voltar ao bar para ficar moderadamente embriagado.
A casa dos Trask nunca fora alegre, mas, habitada apenas por Charles, assumiu um ar de decadência sombrio e espectral. As cortinas de renda ficaram acinzentadas, os assoalhos, embora varridos, tornaram-se pegajosos e úmidos. A cozinha estava laqueada — paredes, janelas e teto — com gordura das frigideiras.
A constante esfregação das esposas que tinham morado ali e a faxina geral duas vezes ao ano mantiveram longe a sujeira. Charles raramente fazia mais do que varrer. Desistiu dos lençóis na cama e dormia entre cobertores. De que adiantava limpar a casa quando não havia ninguém para vê-la? Somente nas noites em que ia à estalagem tomava banho e colocava roupas limpas.
Charles era dominado por uma inquietação que o fazia sair de casa ao amanhecer. Trabalhava intensamente na fazenda porque era solitário. Voltando do trabalho, empanturrava-se de frituras, ia para a cama e dormia em consequência do torpor.
Seu rosto sombrio assumiu a gravidade inexpressiva de um homem que está quase sempre sozinho. Sentia falta do irmão mais do que da mãe e do pai. Lembrava-se sem muita exatidão dos tempos antes de Adam ir embora como os tempos felizes e queria que voltassem.
Durante aqueles anos nunca ficou doente, exceto pela indigestão crônica que era universal, e ainda é, em homens que vivem sozinhos, cozinham para si mesmos e comem na solidão. Para isso ele tomava um poderoso purgante chamado Elixir da Vida do Padre George.
Um acidente lhe aconteceu no terceiro ano que passou sozinho. Arrancava pedras do solo e as puxava num trenó até o muro de pedra. Uma rocha maior e arredondada estava mais difícil de remover. Charles a forçava com uma barra de ferro comprida e a pedra se mexia, mas acabava voltando sempre para o seu leito. Subitamente, ele perdeu a paciência. O pequeno sorriso mau voltou ao seu rosto e ele lutou contra a pedra como se fosse um homem, em fúria silenciosa. Enfiou a barra bem fundo por baixo da pedra e jogou todo o seu peso sobre ela. A barra escorregou e sua extremidade superior bateu contra sua testa. Por alguns momentos, ficou caído inconsciente no campo e depois rolou para o lado e cambaleou, meio cego, até a casa. Havia um corte longo e fundo na testa que ia da linha dos cabelos até um ponto entre as sobrancelhas. Durante algumas semanas usou uma atadura na cabeça para proteger uma infecção purulenta, mas aquilo não o preocupou. Naquela época, o pus era considerado benigno, uma prova de que um ferimento cicatrizava adequadamente. Quando a ferida finalmente sarou, deixou uma cicatriz longa e pregueada e, embora a maioria das cicatrizes tenha o tecido mais claro do que a pele ao seu redor, a de Charles ficou marrom-escura. Talvez a barra de ferro tivesse deixado ferrugem debaixo da pele, fazendo assim uma espécie de tatuagem.
O ferimento não havia preocupado Charles, mas a cicatriz sim. Parecia uma longa marca de dedo traçada na sua testa. Ele a inspecionava com frequência no pequeno espelho ao lado do fogão. Penteava os cabelos para a frente sobre a testa para esconder o máximo dela que podia. Acabou criando vergonha de sua cicatriz; odiava sua cicatriz. Ficava inquieto quando alguém olhava para ela e tomado de fúria se alguém lhe perguntasse algo a respeito. Numa carta ao irmão, descreveu seu sentimento em relação a ela.
Parece”, escreveu, “que alguém me marcou como uma vaca. A maldita está ficando cada vez mais escura. Quando você chegar em casa talvez esteja preta. Tudo o que preciso é outra igual atravessada e ficaria parecendo um católico na Quarta-feira de Cinzas. Não sei por que ela me incomoda. Tenho muitas outras cicatrizes. É que parece que fui marcado. E quando vou à cidade, à estalagem, por exemplo, as pessoas olham sempre para ela. Posso ouvi-las comentando quando acham que não consigo escutar. Não sei por que são tão curiosas a respeito. Acaba que não me dá mais vontade de ir à cidade”.

John Steinbeck, em A leste do Éden

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