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Depois
que Adam entrou para o Exército e Cyrus se mudou para Washington,
Charles passou a viver sozinho na fazenda. Alardeava que ia arranjar
uma esposa, mas não recorria ao costumeiro processo de conhecer
garotas, levá-las a bailes, verificar suas virtudes, ou a ausência
delas, e finalmente deslizar docilmente para o casamento. A verdade
da história é que Charles tinha uma timidez abissal diante de
garotas. E como a maioria dos homens acanhados, satisfazia suas
necessidades normais no anonimato da prostituta. Existe uma grande
segurança para um homem tímido junto a uma prostituta. Tendo sido
paga, e adiantadamente, ela se tornava uma mercadoria, e um homem
tímido pode ser alegre ou até mesmo brutal com ela. Também, não
há nada do horror da possível rejeição que mexe com as entranhas
dos homens tímidos.
O
arranjo era simples e relativamente secreto. O proprietário da
estalagem mantinha três quartos no andar superior destinados a
ocupação provisória e que ele alugava para garotas por períodos
de duas semanas. No final das duas semanas, um novo grupo de garotas
entrava em cena. O sr. Hallam, o estalajadeiro, não participava do
arranjo. Podia quase dizer sem mentir que nada sabia a respeito.
Simplesmente cobrava cinco vezes mais que o preço normal por seus
três quartos. As garotas eram escolhidas, alcovitadas, remanejadas,
disciplinadas e roubadas por um cafetão chamado Edwards, que morava
em Boston. Suas meninas percorriam um lento circuito entre as
cidadezinhas e nunca ficavam mais do que duas semanas na mesma
localidade. Era um sistema extremamente funcional. Uma garota não
ficava na cidade tempo suficiente para ser notada pelos cidadãos ou
pelo xerife. Passavam a maior parte do tempo no seu quarto e evitavam
locais públicos. Eram proibidas, sob pena de levarem uma surra, de
beber, fazer arruaça ou se apaixonar por alguém. As refeições
eram servidas em seus quartos e os clientes cuidadosamente
selecionados. Nenhum bêbado tinha permissão para subir aos seus
quartos. De seis em seis meses cada garota ganhava um mês de férias
para se embriagar e se divertir à vontade. No trabalho, bastava uma
garota desobedecer às regras que o sr. Edwards em pessoa a deixava
nua, amordaçava e açoitava com um chicote de cavalo até quase a
matar. Se a faltosa reincidisse, acabava na cadeia, acusada de
vadiagem e prostituição pública.
As
temporadas de duas semanas tinham outra vantagem. Muitas das garotas
estavam doentes, e uma garota quase sempre já tinha deixado a cidade
quando o seu mimo incubado finalmente aparecia num cliente. Não
havia em quem descarregar a raiva. O sr. Hallam nada sabia e o sr.
Edwards nunca aparecia publicamente em seu escritório comercial.
Sabia muito bem como tocar o seu circuito. As garotas eram todas
muito parecidas — grandes, saudáveis, preguiçosas e burras. Um
homem mal podia dizer que houvera uma mudança. Charles Trask se
habituou a frequentar a estalagem pelo menos uma vez a cada duas
semanas, esgueirar-se até o andar superior, resolver rapidamente o
que tinha a fazer, e voltar ao bar para ficar moderadamente
embriagado.
A
casa dos Trask nunca fora alegre, mas, habitada apenas por Charles,
assumiu um ar de decadência sombrio e espectral. As cortinas de
renda ficaram acinzentadas, os assoalhos, embora varridos,
tornaram-se pegajosos e úmidos. A cozinha estava laqueada —
paredes, janelas e teto — com gordura das frigideiras.
A
constante esfregação das esposas que tinham morado ali e a faxina
geral duas vezes ao ano mantiveram longe a sujeira. Charles raramente
fazia mais do que varrer. Desistiu dos lençóis na cama e dormia
entre cobertores. De que adiantava limpar a casa quando não havia
ninguém para vê-la? Somente nas noites em que ia à estalagem
tomava banho e colocava roupas limpas.
Charles
era dominado por uma inquietação que o fazia sair de casa ao
amanhecer. Trabalhava intensamente na fazenda porque era solitário.
Voltando do trabalho, empanturrava-se de frituras, ia para a cama e
dormia em consequência do torpor.
Seu
rosto sombrio assumiu a gravidade inexpressiva de um homem que está
quase sempre sozinho. Sentia falta do irmão mais do que da mãe e do
pai. Lembrava-se sem muita exatidão dos tempos antes de Adam ir
embora como os tempos felizes e queria que voltassem.
Durante
aqueles anos nunca ficou doente, exceto pela indigestão crônica que
era universal, e ainda é, em homens que vivem sozinhos, cozinham
para si mesmos e comem na solidão. Para isso ele tomava um poderoso
purgante chamado Elixir da Vida do Padre George.
Um
acidente lhe aconteceu no terceiro ano que passou sozinho. Arrancava
pedras do solo e as puxava num trenó até o muro de pedra. Uma rocha
maior e arredondada estava mais difícil de remover. Charles a
forçava com uma barra de ferro comprida e a pedra se mexia, mas
acabava voltando sempre para o seu leito. Subitamente, ele perdeu a
paciência. O pequeno sorriso mau voltou ao seu rosto e ele lutou
contra a pedra como se fosse um homem, em fúria silenciosa. Enfiou a
barra bem fundo por baixo da pedra e jogou todo o seu peso sobre ela.
A barra escorregou e sua extremidade superior bateu contra sua testa.
Por alguns momentos, ficou caído inconsciente no campo e depois
rolou para o lado e cambaleou, meio cego, até a casa. Havia um corte
longo e fundo na testa que ia da linha dos cabelos até um ponto
entre as sobrancelhas. Durante algumas semanas usou uma atadura na
cabeça para proteger uma infecção purulenta, mas aquilo não o
preocupou. Naquela época, o pus era considerado benigno, uma prova
de que um ferimento cicatrizava adequadamente. Quando a ferida
finalmente sarou, deixou uma cicatriz longa e pregueada e, embora a
maioria das cicatrizes tenha o tecido mais claro do que a pele ao seu
redor, a de Charles ficou marrom-escura. Talvez a barra de ferro
tivesse deixado ferrugem debaixo da pele, fazendo assim uma espécie
de tatuagem.
O
ferimento não havia preocupado Charles, mas a cicatriz sim. Parecia
uma longa marca de dedo traçada na sua testa. Ele a inspecionava com
frequência no pequeno espelho ao lado do fogão. Penteava os cabelos
para a frente sobre a testa para esconder o máximo dela que podia.
Acabou criando vergonha de sua cicatriz; odiava sua cicatriz. Ficava
inquieto quando alguém olhava para ela e tomado de fúria se alguém
lhe perguntasse algo a respeito. Numa carta ao irmão, descreveu seu
sentimento em relação a ela.
“Parece”,
escreveu, “que alguém me marcou como uma vaca. A maldita está
ficando cada vez mais escura. Quando você chegar em casa talvez
esteja preta. Tudo o que preciso é outra igual atravessada e ficaria
parecendo um católico na Quarta-feira de Cinzas. Não sei por que
ela me incomoda. Tenho muitas outras cicatrizes. É que parece que
fui marcado. E quando vou à cidade, à estalagem, por exemplo, as
pessoas olham sempre para ela. Posso ouvi-las comentando quando acham
que não consigo escutar. Não sei por que são tão curiosas a
respeito. Acaba que não me dá mais vontade de ir à cidade”.
John Steinbeck, em A leste do Éden
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