sábado, 18 de fevereiro de 2023

Um ser chamado Regina

Regina tem 82 anos de idade, e mora sozinha no seu minúsculo apartamento. Ninguém a chama de Dona Regina, nem crianças, nem adultos nem velhos: é Regina mesmo. Vai diariamente à beira da praia, e num banco se senta para tomar sol e ar livre. Apesar de ser um passarinho, tem dias que acorda de mau humor. Um dia desses estava sentada no banco e Alfredo, um menino amigo dela, convidou-a: “Regina, vamos brincar?”; não respondeu. O menino repetiu o convite. Então ela, com a voz débil de quem ainda não falou com ninguém naquele dia, resmungou qualquer coisa bem baixinho. Alfredo virou-se para a mãe, que estava perto, e disse, desolado: “Mamãe, Regina hoje está com as pilhas fracas!”
De vez em quando Regina escreve numa folha de papel alguma coisa, sem intuito de divulgação ou laivos de publicação. Mantém um diário.
Certa manhã uma vizinha do mesmo edifício passeava pela calçada da praia, empurrando o seu carrinho de bebê. O olhar da moça se cruzou um instante com o de Regina, e a moça lhe sorriu. Regina lhe deu de volta um levíssimo sorriso.
Quando a moça voltou para casa, encontrou, passada pela soleira da porta de seu apartamento, uma folha de papel.
Era um bilhete. Que assim dizia: “Obrigada pelo sorriso. Regina.”

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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